Nos últimos anos aconteceu uma verdadeira revolução nas mega empresas fabricantes de calçados ditos especiais para corrida. O motivo é que cada vez mais pessoas estão correndo descalças ou utilizando os calçados chamados de minimalistas. Este tipo de calçado que mais se parece com luvas para serem usadas nos pés já ocupa lugar de destaque nas prateleiras das grandes lojas de calçados esportivos. Será esta tendência um modismo? Bem, se for, é um modismo com dois milhões de anos pelo menos, pois nossos ancestrais não usavam calçados. Tênis com amortecedores de impacto em diversos pontos da sola surgiram por volta de 1980, modelos e mais modelos foram criados desde então, cada vez mais caros e pasmem de acordo com pesquisas iniciadas em 2005 na universidade de Harvard estes tipos de tênis inibem a amplitude e a variação da movimentação natural dos pés quando estamos nos deslocando.

A corrida sob o ponto de vista morfofuncional (estrutura/função).

Para entender o que a inibição da amplitude e da variação da movimentação natural dos pés causa no organismo vou dar um exemplo. Se você já fraturou algum osso e precisou ficar com esta área imobilizada por tala ou gesso ou se ficou doente e precisou ficar em repouso confinado ao leito sabe que estas situações fizeram com que você atrofiasse na área imobilizada pela tala ou gesso ou fizeram com que você atrofiasse de forma generalizada quando permaneceu confinada ao leito. Atrofia, se você não sabe é quando os tecidos biológicos (ossos, tendões, ligamentos, músculos, cartilagens, pele) diminuem de espessura, se tornam fracos, enrijecidos, secos e a até a pele fica toda enrugada perdendo elasticidade, flexibilidade e força. Lembre-se que quando estamos usando tênis estamos imobilizando os pés, portanto estamos favorecendo a atrofia de tecidos.

Renovação de tecidos

Caminhando e correndo descalço impedimos a atrofia e favorecemos outro fenômeno importante que é a constante renovação morfológica. Ossos, tendões, ligamentos, pele etc. estão em constante renovação.  Por exemplo, temos um esqueleto praticamente novo a cada seis meses. Esta renovação é constante e muito rápida em bebes, crianças e adolescentes e começa a diminuir em velocidade e eficiência quando nos tornamos adultos e vamos envelhecendo. Para que você tenha uma ideia numérica segundo os anatomistas o pé humano é composto por 26 ossos com designs irregulares, 30 articulações sinoviais, mais de 100 ligamentos e aproximadamente 30 feixes musculares. Usando tênis constantemente para se exercitar você fará com que estes componentes se renovem cada vez mais fracos e em alguns casos os ossos e as articulações chegam a mudar a posição natural ao se ajustarem ao formato do calçado se tornando funcionalmente ineficientes. De uma olhada neste site onde o profissional explica como e porque isto acontece  http://www.posecoachblog.com/2010/06/foot-mechanics.html.

Aspectos neurológicos na corrida estando descalço.

Existem grandes quantidades de sensores (mecanoreceptores) na sola dos pés que são ativados pela pressão que exercemos ao apoiar o pé no chão. De acordo com as áreas apoiadas fazemos os ajustes articulares para amoldar o pé ao tipo de piso onde estamos nos deslocando. Por exemplo, quando corremos na areia que é um piso mais macio e mais irregular precisamos fazer ajustes muito precisos, além de fazer mais força. Quando corremos em um gramado que é mais firme e mais uniforme os ajustes são diferentes. Da mesma forma se corremos em um piso duro e nivelado os tipos de ajustes serão diferentes dos dois exemplos anteriores. Quando usamos tênis (em qualquer tipo de piso) este processo está inibido, pois as solas dos pés estão amoldadas e em contato com a sola do calçado ao invés de fazerem contato direto com o piso. A sola é sempre igual, diferente do piso natural que muda constantemente.  Em consequência os pés ficam cada vez menos eficientes e esta ineficiência é transmitida para cima em direção aos tornozelos, joelhos, quadril, coluna, cabeça, ombros e braços. Este encadeamento ineficiente quando estou calçado é a causa direta de lesões.

Minha opinião

Correr estando descalço é excelente por todos os motivos que citei acima. Importante, no entanto é considerar que atualmente as crianças mal nascem e já estão calçadas. Este procedimento cultural imobilizou os pés da maioria das pessoas tornando-os fracos e ineficientes. É preciso, portanto orientar uma transição gradativa para quem quer se livrar dos tênis especiais. Fiz um programa cuidadoso e gradativo durante quatro anos e hoje corro descalço na maioria das vezes e uso também as sapatilhas luvas para os pés em algumas situações. Continuo correndo descalço e aprendendo novas estratégias a cada dia para tornar a corrida cada vez mais prazerosa e eficiente.

Bons treinos!

 


*José Augusto Menegatti é Professor de educação física formado pela Universidade de São Paulo. Foi preparador físico da equipe de voleibol masculina do Esporte Clube Banespa e da Seleção Brasileira. Durante 30 anos de trabalho com o esporte desenvolveu técnicas com resultados rápidos e eficientes. Um destes trabalhos começou em 1989 quando iniciou seus estudos sobre o Rolfing. Hoje como professor e instrutor formado pelo Rolfing Institute (Boulder, Colorado, USA) possui um Núcleo de Estudos em Fluência Corporal em Ilhabela/SP, que oferece cursos, aulas e sessões para pessoas interessadas na sofisticação de sua corporalidade, e para profissionais da área da educação e saúde interessados em aprimorar sua proposta de trabalho. Para saber mais: contato@espacojera.com.br / (12) 3896-1135