Quero pedir desculpas a todos que estão acompanhando nossa viagem pela falta de nosso artigo na última edição. Tenho certeza que perdoarão minha falta quando lerem o relato dos últimos acontecimentos, que se sucederam de forma avassaladora e inesperada.
Encerrei meu último artigo falando que a maior beleza da vida é que existe sempre o que está por vir. Isso se refletiu totalmente na nossa viagem, após nossa estada em Natal, onde tivemos a atenção e o carinho dos amigos do Iate Clube do Natal e do Antonio e da Rô, que nos levaram para conhecer a cidade e suas belas praias.
Na seqüência de nossa viagem, fomos com o Márcio para João Pessoa, numa travessia tensa, pois haviam me falado que era difícil, por ser sujeita a ventos e correntes contrários e fortes. Esperamos pacientemente e demos a sorte de aparecer uma janela de tempo boa, que proporcionou uma orça apertada, mas gostosa, até Cabedelo. A Paraíba, para mim, foi uma grande surpresa. Lugar muito belo, praias paradisíacas, uma grande cidade equilibrada e segura e um povo extremamente hospitaleiro. Você que não a conhece, programe-se para conhecê-la! Ancorados no Jacaré, entre Cabedelo e João Pessoa, no tranqüilo rio Paraíba, escutávamos todos os dias o Bolero de Ravel ao pôr-do-sol, que sempre é magnífico no local. Quase todo dia eu ia fotografar o espetáculo e não me cansava de admirá-lo. Lá, reencontramos os amigos dos barcos Beduína, Cavalo Marinho, Kaká-Maumau, Plânkton, Kanaloa e Radum e nos despedimos do Márcio, que tinha de voltar para São Paulo e ainda fazer sua mudança para Ilhabela, onde está morando agora.
Tivemos excelentes dias, fazendo churrascos, trocando experiências e gozando a hospitalidade do clube, da cidade, do Comodoro Bernardo e de sua esposa. Só sentimos pena de ter perdido todas as festas que aconteceram ao final da regata Noronha-Cabedelo, das quais só escutamos elogios de todos os velejadores. As crianças voltaram a encontrar a Talita, o Nick e o Rafinha e brincaram muito juntos. Fui adiando a nossa descida para Recife para poder aproveitar bem os amigos e o lugar. Conhecemos a barra de Gramame, uma das mais belas praias da viagem, a apenas treze quilômetros da capital. Aqui em João Pessoa, as pessoas tem casa de praia a apenas seis quilômetros da cidade e a praia de Tambaú, que fica no centro, é belíssima. Limpeza, segurança, hospitalidade, belíssimas praias e muitos amigos nos seguraram, fazendo com que só pudemos partir para o sul no mesmo dia que eles partiriam para o norte. E esse dia doeu!
Tentaram nos convencer novamente a mudar o rumo do Fandango e seguir para o norte, em direção ao Caribe. Organizaram um rally com sete barcos para o Caribe e, cinco dias depois de a idéia ter sido lançada, Bernardo organizou um jantar para cem pessoas, com a presença da TV, que vinha cobrir o lançamento do Primeiro Rally Cabedelo-Caribe. É incrível a capacidade de “fazer acontecer” do Comodoro, do qual virei admirador. O evento tem tudo para permanecer e crescer, visto haver um número cada vez maior de cruzeiristas brasileiros viajando e o Brasil ser parada obrigatória para os veleiros europeus que se dirigem ao Caribe nessa época.
No jantar, um dia antes da partida do rally, o Jonas passou, escondido de mim, um abaixo-assinado por todos os velejadores presentes, para seguirmos com eles para o Caribe. Com um sentimento contraditório, sabendo não ser possível atender a vontade de meus filhos e amigos, mas muito feliz por perceber como eles estão felizes com nossa vida de viajantes, guardei com carinho o guardanapo de papel no qual foi feito o abaixo-assinado. Chegaram a nos convidar para embarcarmos num dos veleiros, deixando o Fandango em Jacaré, retornando depois de avião. Também não daria, pois eu tinha um compromisso em Recife no final de novembro. Talita e Carol derrubaram lágrimas novamente. Saímos juntos na manhã seguinte e senti muito estar seguindo para o sul, enquanto via os barcos dos amigos rumando para o norte. Um golfinho solitário passou ao lado do barco e me fez sentir mais triste ainda!
Após seguir para Atapus, um belo lugar atrás da ilha de Itamaracá, e retornar à Recife, desmarcaram o compromisso que haviam assumido comigo e nós ficamos livres para ir ao Caribe! Corri atrás de documentos para o passaporte, que me foram enviados de Ilhabela pelo amigo Márcio, pegamos malas, coisas que poderiam ser importantes, nos despedimos do Fandango, seguindo para Natal em ritmo de urgência, para embarcarmos no Cavalo Marinho. Tudo foi muito corrido e acabei ficando sem comunicação, por não levar meu notebook, impossibilitando o envio do artigo para revista.
Chegamos em Natal às seis horas da manhã e meia hora depois zarpávamos para Fortaleza, embaixo de uma tempestade e muita chuva, coisa rara na região. Fizemos uma ótima travessia e aproveitamos muito o conforto do Cavalo Marinho, um velamar 45, que me surpreendeu bastante como excelente barco de cruzeiro. Os amigos Rodrigo e Márcia faziam tudo para nos agradar e as crianças se deram muito bem na convivência diária.
Em Fortaleza, arrumamos tudo para a longa travessia que teríamos pela frente e, infelizmente, não pudemos conhecer quase nada da cidade e suas praias. Todos os dias eram de muito trabalho, mas no final do dia havia sempre o encontro divertido com os amigos, que também trabalhavam arduamente nos seus barcos durante o dia. As crianças aproveitavam a excelente estrutura cinco estrelas do Marina Park, onde estávamos atracados, e faziam seus estudos, além de brincarem o dia todo.
Com tudo pronto e algumas emoções extras por causa de uma manutenção que precisou ser feita no eixo do Cavalo Marinho, chegou o tão esperado dia de seguirmos para o Caribe. Minha maior preocupação era a convivência das crianças tantos dias juntos no barco e como elas iriam se portar na travessia. Logo vi que era infundada, pois a convivência era excelente e todos ajudavam a fazer as tarefas. Até o Rafinha, com dois anos, ajudava a secar a louça! Nos dez dias e seis horas de travessia tivemos excelentes momentos, com golfinhos acompanhando o barco, grandes velejadas com os alísios nos empurrando sempre para o nosso destino, festa no dia do meu aniversário e muitas coisas gostosas para comer!
Essa viagem foi importante para eu ter certeza do que eu quero no meu próximo barco de cruzeiro. Tivemos ventos fortes durante a travessia e ondas de três metros ou mais, grandes paredes de água, das quais o Cavalo Marinho nem tomou conhecimento. As crianças faziam suas lições, brincavam de montar lego e assistiam DVD com qualquer tempo, mostrando que são grandes marinheiros e a palavra “enjôo” não existe no vocabulário deles.
Nossa chegada ao Caribe, numa enseada paradisíaca com um final de tarde muito belo, foi emocionante: todos de mãos dadas fomos para a proa receber as boas vindas dos outros barcos, que já estavam em Tobago. O Hugo, do Beduína, pulou de seu barco e veio a nado nos dar boas vindas e o Hélio e Bernardo, que estavam no Kaká-Maumau, vieram de bote nos trazer o “símbolo nacional”: uma caipirinha, que foi consumida rapidamente.
Logo, todos estavam a bordo do Cavalo Marinho, sentados na proa, falando de suas respectivas travessias, todos com sorrisos enormes no rosto. Tentei me lembrar, mas não me recordei da última vez que vi um grupo tão feliz e realizado. O objetivo de todos estava realizado ali: ter seus barcos, suas “casas”, ancorados numa pequena ilha paradisíaca do Caribe! O sonho de chegar estava realizado. Agora só resta aproveitar essa nova realidade, que mais parece um sonho. Quanto a nós, ter feito essa travessia com pessoas tão especiais foi um presente e tanto!
Após aproveitar apenas dois dias de Tobago, pegamos o avião para voltar ao Fandango, que nos esperava pacientemente. O jantar de despedida, que o Rodrigo e a Márcia nos ofereceram, foi novamente emocionante. O Jonas ensaiou outro abaixo assinado para ficarmos mais e a Carol e a Talita derrubaram lágrimas mais uma vez. Prometemos voltar para passar alguns dias com eles no começo de 2008 e, também com lágrimas nos olhos, nos despedimos do Rodrigo, da Márcia, do Nick e do Rafinha, nossa “família” no último mês, além dos amigos dos outros barcos.
Nunca imaginamos ir tão longe! Nunca imaginamos fazer amizades tão intensas durante nossa viagem! Cada tripulação tem sua história de vida e suas dificuldades, mas todas essas pessoas têm as características de “sonhar” e “ousar tornar seu sonho realidade”, o que faz dessa tribo dos “vagabundos do mar”, como são carinhosamente chamados, pessoas especialíssimas.
Quanto a nós, voltamos para seguir nosso caminho com o “Fandas”, rumo à Ilhabela e às outras belezas da vida, que, sabemos, ainda estão por vir, mas com muitas saudades no coração!