Amigo, achei que este artigo seria escrito já em Ilhabela, mas o tempo me enganou (ou eu me enganei com o tempo?). Não é muito fácil controlar dias, semanas e meses quando estamos viajando. Uma das nossas frases preferidas à bordo é: “- Que domingo é hoje?”. Por aí já dá para ter uma ideia, Leitor, de como os dias da semana se perdem numa viagem como a nossa. E todos os dias são “domingos” porque são dias “nossos”! Nós é que decidimos o que vamos fazer com ele. Nosso tempo não está vendido para empresas ou reservado para compromissos com datas e horários certos. Essa, inclusive, foi uma das maiores mudanças em nossa vida quando iniciamos nossa viagem e, posso dizer, não é muito fácil se acostumar com essa nova “realidade”. A primeira impressão que temos é a perda de segurança, pois nossa rotina “segura” deixa de existir. Mas, aos poucos, fomos nos acostumando e passamos a valorizar e aproveitar essa dádiva que conquistamos: ser donos do nosso tempo!

E, como dizem que “tempo é dinheiro”, passamos a ser “bilionários”, mesmo sem conquistar mais dólares, euros ou reais na nossa conta bancária, pois todo o tempo do mundo passa a ser apenas nosso.

E o que fizemos com esse tempo desde nosso último artigo, você já vai me perguntar, não?

 

Bem, ficamos na cidade de Natal até depois do Natal, ou seja, passamos as festas de nascimento de Jesus no lugar certo!!!

Considerávamos que não havia muito mais para ver na costa na nossa volta, mas o Brasil mostrou que estávamos bem errados! Subimos um pouco ao norte de Natal e conhecemos São Miguel do Gostoso, onde passamos dias deliciosos na casa dos amigos Alexandre e Vanessa. Esses amigos eram moradores de São Paulo e frequentadores de Ilhabela, amantes de velejar, inclusive de wind e kite. Quando descobriram Gostoso, como a cidade é carinhosamente chamada, resolveram fazer uma mudança radical e não se arrependeram. E pudemos ver de perto como estão bem e felizes! Gostoso foi uma surpresa muito boa! Lugar lindíssimo, população simpática e hospitaleira, águas quentes e ventos sempre excelentes para velejar com wind e kite (quando o vento baixa de 18 nós, dizem que está fraco!!!).

Passamos vários dias na casa deles e o Jonas aproveitou para velejar com sua prancha em Gostoso. Foi a primeira prancha de Fórmula no local. Como essa prancha é muito mais larga do que as que eles usam, diziam que o Jonas estava velejando de “jangada”. Ele delirou velejando nesse lugar maravilhoso e só parou quando quebrou a retranca! Equipamento quebrado, mas um sorrisão no rosto!

Fizemos nossa primeira palestra desta viagem no Iate Clube do Natal, para os amigos do clube. Foi muito divertida e acho que todos gostaram. Tivemos até a presença da Zelinha, a famosa protetora do Atol das Rocas, com quem fizemos amizade e que prometeu nos visitar em Ilhabela.

Passamos as festas de Natal na casa dos amigos Antonio e Rô, aproveitando o carinho dos amigos que supriram um pouco a carência familiar que essa época gera. Logo após o Natal, fomos para Salvador numa travessia muito boa, descendo a costa com bom vento o tempo todo, e tendo mais um tripulante à bordo: o Rodrigo, filho do Antonio e Rô, que quer trabalhar embarcado e queria ganhar experiência no mar.

Chegamos muito bem e muito rápido em Salvador. Logo ligamos para os amigos na cidade e pudemos rever a família Hagge, grandes amigos desde a nossa primeira viagem. Também encontramos a Patrícia, o Rogério e sua família e o Carlão e a Sandra, do antigo Fandango II, que agora estão morando à bordo do Namastê, um lindo Main 35. Comemos uma maravilhosa feijoada com eles em Aratu, falando muito de nossa viagem e dos planos deles em viajar num futuro muito próximo.

Ficamos muitos dias aproveitando a companhia dos Hagge também, pois o Victor, seu filho mais velho, é muito amigo do Jonas e da Carol. Ele veio para o Travessura e foram vários dias tocando músicas e falando de livros (o Victor é escritor – vejam o blog dele www.contospormim.blogspot.com, para ver a qualidade do que esse garoto de 14 anos escreve!).

Nossa permanência em Salvador, que eu pretendia ser curta, se estendeu bastante, pois queríamos aproveitar bem a companhia de todos esses amigos queridos que moram longe de nós. Isso fez com que pulássemos alguns lugares programados na volta (inclusive Camamu, mas sem arrependimentos!) e, de Salvador, fomos diretamente para Porto Seguro, onde ficamos ancorados na praia do Mutá.

Mutá foi outra surpresa maravilhosa para nós. Finalmente, depois de muito tempo, estávamos novamente ancorados em uma enseada abrigada, de águas limpas e quentes, onde podíamos nadar a qualquer hora que desejássemos. Maravilhoso, também, foi rever o Ronny, skipper do Luar, companheiríssimo amigo que conhecemos em St. Marteen e que não víamos desde maio do ano passado e a sua namorada Heloísa, carinhosamente chamada de Helô, que nos recebeu muito bem em Mutá, onde tem a ótima Escola de Vela Oceano.

Passamos dias paradisíacos com esses amigos, velejando, mergulhando e passeando! A enseada onde ficamos é bem abrigada de mar por recifes e o lugar onde ancoramos tem um dos melhores fundos de toda a viagem para segurar bem uma âncora! Mesmo alguns pirajás fortes não fizeram o barco se mover nem um milímetro!

E novamente o Jonas velejava todos o dias, de wind, veleirinho rádio controlado ou Hobbie Cat 16. E nós aproveitávamos a praia sem querer ir embora!

Mutá foi outro lugar onde nos estendemos bem mais do que o planejado e acabamos pulando “apenas” Abrolhos, também sem nenhum arrependimento!

Nessas últimas travessias pescávamos muito, pois o litoral baiano no verão é fantástico para comer sempre um peixe fresco no barco. Pegamos dourados, atuns, cavalas, olhete, etc, e muitos peixes arrebentaram todo o material de pesca sem que soubéssemos que peixe tinha feito aquilo. Sashimi, ceviche, peixe grelhado e assado passaram a ser o cardápio dessas travessias.

De Mutá fomos diretamente para Vitória, velejando maravilhosamente bem, onde revimos o Mauro e a Cristina de Guarapari. Matamos as saudades rapidamente, mas eles também prometeram nos visitar em Ilhabela com o Pernalonga, seu motor-home novo.

Aproveitando os sempre bons e favoráveis ventos leste e nordeste desta época do ano, que fazem as velejadas rápidas e confortáveis, como se estivéssemos “descendo a ladeira”, demos uma puxada de Vitória a Niterói, onde estamos agora.

Aqui estamos como convidados do Praia Clube de São Francisco, um ótimo clube náutico local. Fomos convidados pelo amigo Luiz Gurgel e pelo clube para fazer uma palestra da nossa viagem, onde revimos vários amigos velejadores locais.

Aqui em Niterói, matamos um pouco das saudades dos amigos “botequeiros” (da famosa torcida “Boteco 1”, a primeira torcida organizada de vela do Brasil, criada na época do veleiro Brasil 1). Morcegão, Ricardinho, Oscar, Rial e esposa, vieram nos ver em Niterói.

Quanto à palestra, posso dizer que foi muito agradável para nós e um filme que o Jonas e a Carol fizeram para o evento fez muito sucesso. E nossas ligações com Ilhabela vieram novamente à tona, quando um casal que assistia à palestra e que está saindo para viajar num roteiro igual ao nosso, falou que conheciam uma “Tina” em Ilhabela, que é prima deles. Nossa que coincidência! (Coincidências não existem!!!). Tina fez coral comigo por vários anos, foi professora de teatro do Jonas e da Carol e, seu filho Érico, foi colega de classe do Jonas por 10 anos! É, quanto mais achamos que o mundo é grande, mais descobrimos que é muito pequeno!!! O tamanho do mundo é tão relativo quanto a quantidade de tempo!

 

E por falar em tempo, leitor, o que é “muito tempo” e o que é “pouco tempo”? Boa pergunta, não?

Ontem, conversando com o sábio amigo Morcegão, ele me perguntou quanto tempo fazia que havíamos saído de Niterói. Disse-lhe que fazia um ano e meio e ele me respondeu que parecia que havíamos saído daqui ontem. Eu lhe respondi que, para nós, a sensação é que ficamos uns 10 anos fora. Então, começamos a filosofar sobre a diferença da rotina da vida diária em terra, com os problemas do dia a dia, e o viver viajando, vendo coisas novas todos os dias, sem saber o que vai acontecer e onde vamos estar amanhã e como tudo isso influencia nossas vidas e a sensação de tempo realmente vivido.

A conclusão foi óbvia: a mesma rotina que nos protege, também nos aprisiona. Ela faz com que o tempo pareça parar e que os dias pareçam todos iguais. E a sensação final é que envelhecemos sem realmente ter vivido.

Estamos a caminho de voltar para essa “prisão”, mas cientes de que essa fase é necessária e, principalmente, temporária! Vamos “empobrecer” novamente, pois não seremos mais donos de todo nosso tempo. Mas espero que saibamos aproveitar cada brecha que se apresentar para quebrar a rotina, para não deixá-la transformar o tempo em horas, minutos e segundos, mas sim em ações agradáveis que realizaremos e gostaremos de recordar. E que sejam muitos, para também enganar o tempo!!! Que acha de experimentar fazer isso também, meu amigo Leitor?

Amigo Leitor, quando você estiver lendo este artigo, provavelmente já estaremos na Ilha, talvez até lendo-o juntos. Para acompanhar nossa chegada, que planejamos ser logo após o Carnaval, vejam nosso blog www.tresnomundo.blogspot.com, pois ainda pretendemos passar por Ilha Grande, Angra, Paraty, Ubatuba e, finalmente, nossa bela Ilha! Até muito breve (apesar que breve, Leitor, significa pouco tempo, o que é muito relativo)!!!