Localizada no extremo sul de Ilhabela, em sua face voltada par ao mar aberto, a praia do Bonete é considerada uma das mais bonitas do Brasil, com uma larga faixa de areias claras, cercadas por águas cristalinas e pelo frescor da Mata Atlântica. Ali, vive uma das últimas comunidade tradicionais de Ilhabela, formada por cerca de 100 famílias que, por muito tempo, sobreviveram apenas da pesca e da agricultura familiar. Atualmente, boa parte dos moradores já se dedica a alguma atividade voltada ao turismo e, embora em menor escala, a pesca se mantém como base da economia local.

Só é possível chegar ao Bonete pelo mar (o veículo oficial dos caiçaras da comunidade é a canoa de voga, fabricada artesanalmente em uma tradição passada de pai para filho, embora alguns já prefiram pequenos barcos a motor) ou a pé, por uma trilha de 14 quilômetros que atravessa 3 cachoeiras. E é graças a este isolamento geográfico que tanto a natureza quanto a cultura locais se mantêm preservados. Também é graças a isso que serviços considerados essenciais, como atendimento médico e energia elétrica não chegam lá. Pelo menos não na proporção que a comunidade gostaria.

É neste ponto que começa a antiga discussão sobre a abertura da estrada para o Bonete, debatida a cada nova gestão municipal e, felizmente, até então, nunca concretizada. Voltando um pouco na história, a trilha do Bonete foi aberta como estrada em 1982. Sem uso constante nem manutenção, foi novamente engolida pela Mata Atlântica e se transformou na trilha que até hoje dá acesso a comunidade.

Atualmente, enquanto moradores, turistas, ambientalistas e apaixonados pelo local defendem sua preservação, mantendo a trilha, a comunidade exige acesso aos serviços básicos disponíveis na “civilização”. Um terceiro fator (bem menos nobre) envolvido na questão é a especulação imobiliária, já que viabilizar a chegada de carros ao Bonete ocasionaria um crescimento excepcional no mercado de imóveis da região, favorecendo uma pequena parcela que lucraria alto com o “desastre”.

A boa notícia é que a maioria das pessoas, inclusive na comunidade, tem consciência da importância da preservação e não querem a abertura da estrada. Por outro lado, não se pode ignorar as necessidades de quem vive no local. O desafio é encontrar soluções alternativas, que possam atender a esses anseios sem prejuízos ao meio ambiente.

Uma dessas soluções, discutida e aprovada no Conselho Municipal de Meio Ambiente, foi a instalação de três passarelas sobre as cachoeiras que cortam a trilha, já que quando chove muito, o aumento do volume de água impede que as pessoas atravessem a pé e, geralmente, nessas situações, também não é possível colocar os barcos no mar.

As passarelas foram então projetadas e em junho as obras começaram, mas para levar os materiais para a construção, a prefeitura abriu com tratores o primeiro trecho da trilha, que corresponde a cerca de 1/3 do trajeto e vai até a cachoeira da laje, sem obter licenciamento prévio e desrespeitando o Plano Diretor da cidade, que proíbe intervenções que tornem a trilha transitável por qualquer veículo automotor.

A ação despertou a atenção da comunidade, gerou uma série de protestos e a obra sofreu embargo administrativo da Polícia Florestal e foi interrompida.

Atualmente, poder público e sociedade civil discutem o assunto em busca de soluções alternativas, que possam atender às necessidades da comunidade sem descaracterizar a trilha nem causar impactos ambientais. As passarelas, apenas para pedestres, são consideradas necessárias, mas têm que ser instaladas sem a abertura da trilha.

A questão levantou ainda um amplo debate sobre a implantação de energia e o atendimento médico e uma conclusão clara dessas discussões é que em um lugar com características tão singulares é preciso buscar soluções alternativas, que respeitem a natureza e que possam inclusive, servir de exemplo para outras regiões do país.

 

Legenda:

Passarela instalada na Trilha do Gato, em Castelhanos, através da assinatura de um termo de cooperação entre o Instituto Ilhabela Sustentável, que captou recursos da iniciativa privada, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e a Prefeitura de Ilhabela.