Tenho que começar este artigo me desculpando com você, amigo Leitor. Da mesma forma que aconteceu em nossa primeira viagem, falhamos uma edição da revista Ilhabela por problemas de comunicação. É engraçado como algumas coisas se repetem: na primeira viagem, o único trecho que não queria fazer sem um tripulante extra, a passagem do famoso Cabo de São Tomé, fomos obrigados a fazê-lo sozinhos, pois não houve condições de um tripulante chegar a tempo. Da mesma forma, nesta nova viagem, o único trecho que eu não queria fazer sem tripulantes extras, a travessia de 20 dias do Atlântico, também teve que ser feita apenas por nós, por problemas com os amigos que nos acompanhariam e a urgência de zarpar, que citei no último artigo.

Agora aconteceu de novo: falhamos uma edição, como aconteceu na primeira viagem também. Torço que tudo continue acontecendo assim: repetindo detalhes daquela maravilhosa viagem, que mudou nossas vidas e nos fez retornar mais felizes e mais sábios.

Bem, Leitor, você deve estar falando: “- OK, OK, está desculpado, mas pare de enrolar e conte o que aconteceu desde os Açores logo!”.

Os Açores foram uma grande e maravilhosa surpresa. Como disse no outro artigo, são imperdíveis! Fora as ilhas de Flores e Faial, que já contamos, passeamos ainda pelas ilhas do Pico, São Jorge e a Terceira. Gostamos de todas, que têm características geográficas diferentes, mas o mesmo povo acolhedor e hospitaleiro. Fizemos bons amigos em todas elas e lá vimos paisagens das mais belas de toda nossa vida!

Logo chegou a hora de atravessar para Portugal continental. Estávamos ansiosos para chegar lá e rever parentes que não vemos há muitos anos. O Jonas e a Carol iriam conhecer muitos primos e um pouco da história da família. Quando o Jonas perguntou quanto tempo levaríamos para chegar a Cascais, nossa primeira parada no continente, e eu disse que seriam cerca de sete dias, ele respondeu: “- Uma travessia curta! Que bom!”. Nossa, como mudaram as nossas referências depois dos vinte dias da travessia do Atlântico!!!

A viagem da ilha Terceira até Cascais foi muito sossegada. Durante os cinco primeiros dias o barco dava a impressão de estar parado na marina, de tão estável que navegava. Imagino que deva ser assim andar num catamarã! Chegamos muito bem e a única dificuldade foi cruzar a “estrada” de navios que existe perto da costa de Portugal. São duas “pistas” para subir e duas para descer e temos que ver bem a hora certa de atravessar. É como atravessar uma rodovia movimentada em cima de uma bicicleta. Nesse ponto, o AIS foi perfeito: nos dava exatamente a distância que os navios passariam de nós. Chegamos em Cascais, conhecemos um pouco da linda cidade e no dia seguinte subimos o Tejo para chegar a Lisboa.

Inesquecível é a palavra que mais define essa velejada! Subir esse rio, de onde as caravelas portuguesas saíram para desbravar os mares, vendo os fortes, Torre de Belém, Jerônimos e Monumento aos Descobrimentos na sua margem esquerda, perto da qual estávamos, fazia parte de um sonho há muito tempo acalentado e finalmente realizado! Cá estamos nós, os “travessos”, como já nos chamam, chegando para descobrir Portugal!

Lisboa foi uma grata surpresa para todos. Visitamos todos os pontos turísticos principais desta capital, que une o antigo e o moderno de forma graciosa. Museus, castelos, igrejas e monumentos não faltam para serem visitados e são belíssimos. Toda visita remete à história deste povo trabalhador e religioso e, consequentemente, à historia do Brasil. Ficamos vários dias para conhecê-la um pouco e muitos outros seriam necessários para conhecê-la bem.

Mas, após alguns dias em Lisboa, era hora de resgatar as raízes. Fomos para a Carvalheira, povoação natal de meu pai, e encontramos todos os primos e tios, que nos esperavam ansiosamente. Depois, foi a vez dos tios e primos do lado materno, que moram no Vale Grande, e também ligavam sempre para saber quando chegaríamos. Foram encontros maravilhosos: revimos e conhecemos muitos parentes e pudemos conviver bastante com eles nesses quase três meses que ficamos em Portugal. Ah, você sabe como o português demonstra mais o seu amor e carinho, Leitor? Com comidas! Todos eles faziam coisas típicas, sempre deliciosas, para que experimentássemos e soubéssemos como nossos antepassados comiam. Muitas coisas que minha avó fazia quando eu era pequeno voltei a comer nesta terra maravilhosa! Descrever estas comidas e prazeres gastronômicos, causou algumas reclamações por parte dos leitores do nosso blog, pois diziam que mal começavam a lê-lo e já ficavam com fome! Também recebi a sugestão de mudar o nome do Travessura para “Travessona”, sugestão que até cheguei a avaliar, depois de ter engordado seis quilos desde que cheguei a Portugal!

Outro resgate que eu queria fazer de nossas raízes, além do amor e amizade de nossas famílias portuguesas, era o modo de vida de nossos antepassados. Eu queria que o Jonas e a Carol vissem como eles trabalhavam e as coisas mais tradicionais que faziam, num ciclo anual que nunca podia parar, pois a parada em um ano significava fome no seguinte. Portanto, fomos à colheita das batatas com os primos do Vale Grande, onde colhemos duas toneladas delas. O Jonas e a Carol disseram que vão respeitar muito mais as batatas quando elas forem colocadas à sua frente numa mesa! Também fizemos a vindima com os primos da Carvalheira, colhendo os cachos de uva na época certa. No mesmo dia, o Jonas e a Carol pisaram as uvas, cujo suco chamado “mostro”,  irá fermentar para se transformar em vinho, que será bebido no próximo ano. Apanhamos frutas, nozes, castanhas, avelãs e amêndoas, comidas na hora, cujo sabor é melhor ainda! E também fomos ao agradecimento e pedido de proteção ao Ser Supremo, participando das procissões e festas religiosas que cada pequena povoação faz no tempo da colheita.

Mas, além de todas essas coisas que eu queria rever e mostrar aos meus filhos, ainda aprendemos muitas coisas que eu não esperava e fiquei feliz de conhecer. Uma foi ver esse Portugal moderno, mas que sabe conviver e manter suas tradições, espero eu, por muito tempo ainda. Outra é a força de trabalho desse povo, que não sei se é geral no país, mas que vi muito forte nos dois lados da minha família portuguesa. E não um trabalho sacrificante, mas feliz e feito com carinho, apesar de ser pesado e cansativo, principalmente para as mulheres portuguesas. Estas cuidam de filhos e casas, além de trabalharem fora para ajudar no sustento da casa,  sem terem empregadas ou faxineiras, como temos no Brasil. E as casas estão sempre muito arrumadas e limpas, sem ter o que falar! (Ficava até com vergonha quando as primas visitavam o Travessura!!! – rsrsrs!!!). E as famílias, então, são muito unidas, criando laços de amor e de carinho mútuo que são a base de apoio para quaisquer problemas que possam acontecer na vida de cada um.

Também andamos muito pelo país, que apesar de pequeno em área, tem milhares de coisas para ver. Não é a toa que é um dos principais roteiros turísticos para o europeu! A cada 30 quilômetros há sempre uma cidade interessante, com igreja, museu, castelo, praia, palácio ou tudo isso junto, que vale a pena ver. Tínhamos ideia de ir de carro até a Espanha e a França, principalmente por causa da Carol, que é vidrada para conhecer alguns lugares da França. Após alguns dias em Portugal, vimos que isso causaria uma perda de tempo grande em deslocamentos e coloquei a sugestão de ficarmos apenas em Portugal. Qual não foi minha surpresa, quando a Carol concordou imediatamente com isso e disse que também preferia continuar em Portugal apenas! Isso significava que ela estava adorando nossa realidade e que deixaria o sonho de conhecer a França para outra oportunidade. Ótimo!!!

Dessa forma, começamos a correr Portugal com um carro emprestado pelo primo Celestino (puxa, nunca imaginei que iria dirigir um Mercedez um dia!) e a conhecemos desde Guimarães, a cidade berço de Portugal ao norte, até Monte Gordo, praia do Algarve ao sul, já na fronteira com Espanha. Paramos em muitos lugares, mas muitos outros ficaram por conhecer. Dizemos que sempre temos que deixar algo para conhecer nos lugares, para podermos voltar. E Portugal é um lugar que eu gostaria de voltar sempre!

Difícil é responder a sempre repetida pergunta: “- E de qual lugar vocês mais gostaram?”. Simplesmente, não sabemos! Posso relacionar muitos lugares que considero imperdíveis: Lisboa, Cascais, Sintra, Óbidos, Évora, Braga, Guimarães, Fátima, praias do Algarve, Aveiro, Coimbra, Porto e muitas outras. E quanto à culinária portuguesa, não se pode ir embora sem experimentar o leitão da Bairrada, pastéis de Belém, chanfana, pastéis de Tentúgal, ovos moles de Aveiro, cozido à portuguesa, caldeirada de enguia, rojões, secretos de porco preto e sardinhas assadas, além, é claro, do sempre famoso bacalhau, feito de diversas formas, inclusive sua língua e, como chamam por aqui, suas “caras”. Recomendo, apenas, um bom regime e perder alguns quilinhos antes de vir para cá. Portanto, a segunda pergunta que mais nos fazem: “- O que mais gostaram de comer por aqui?”, também fica com a sua resposta prejudicada!

Mas uma muito, muito fácil de responder é: “- O que mais gostaram em Portugal continental?”. Infelizmente, a resposta não irá lhe servir muito, amigo Leitor, pois você não poderá comprar um pacote turístico para isso, nem pegar um avião, carro e vir até aqui vivenciar essa experiência. Nem que tivesse muito tempo e se propusesse a repetir todos os nossos passos, nunca alcançaria a intensidade do que mais gostamos, pelo simples motivo que é algo íntimo nosso. E a resposta é simples: ter convivido com os primos e tios e ver todo o carinho e amor com que fomos recebidos e cercados de cuidados sempre! Ter resgatados as raízes mais profundas do amor familiar e conhecer seu passado, que mesmo muitos milhares de quilômetros e algumas dezenas de anos não puderam apagar. Só isso já valeria toda a nossa viagem! E viver com eles momentos simples, como o acender da lareira, que a Carol tanto gostava de fazer, e muitos outros, com todos, que acenderam o lume de nossos corações.

Agora estamos nos preparando para zarpar para as Canárias. Atrasamos um pouco para sair e, por causa da meteorologia, teremos que saltar a ilha da Madeira, onde pretendíamos parar. Será mais um lugar que deixaremos para conhecer numa próxima viagem e podermos voltar.

Você deve imaginar que as despedidas foram difíceis e foram mesmo. Mas não foram tristes! Alguns primos iremos reencontrar em breve, nas Canárias e em Natal. Outros ficaram de nos visitar no Brasil para conhecer a nossa maravilhosa Ilhabela, depois que tanto falamos dela. Nós pretendemos voltar a Portugal sempre que possível, velejando ou de avião, pois o meio não importa para estarmos perto das pessoas queridas. Agora que resgatamos nossas raízes e vimos que os laços que nos unem extrapolam o espaço e o tempo, temos a certeza de continuarmos todos sempre ligados por esse lindo elo chamado saudade!

Este artigo é dedicado a todos os primos e tios que nos receberam em Portugal e dos quais sentiremos imensas saudades. Se quiser conhecer detalhes de nosso dia a dia em Portugal e as pessoas a quem este artigo foi dedicado, acesse www.tresnomundo.blogspot.com e terá muito para ver!