Amigos leitores, vocês devem lembrar do “quebra-quebra” que tivemos na nossa travessia para St. Maarten e da frase engraçada (e certa!) “velejar é consertar o barco em lugares paradisíacos”. Obrigado para todos que nos escreveram preocupados, mas volto a afirmar que tudo aconteceu na melhor hora e melhor lugar. Bem, fizemos todos os nossos consertos e várias melhorias no Travessura, já visando nossa próxima grande travessia: de St. Maarten para os Açores diretamente, sem escalas. Faltam pequenas coisas, que serão feitas poucos dias antes de nossa partida. Mas não é disso que pretendo falar agora. Vamos falar do presente (e um pouco do futuro!).

Uma das frases mais sábias da coleção náutica e que é muito usada por quem está em terra, é também a que eu mais gosto: “Depois da tempestade, vem sempre a bonança”. Ela é bela exatamente porque transmite sempre confiança no futuro e esperança de dias melhores, conceitos que nunca podemos perder de vista para uma vida feliz.

No nosso caso específico, após muito tempo de trabalho e arrumações em St. Maarten e com tudo em ordem no barco, era tempo de curtir a “bonança”. Estamos em um dos lugares mais lindos do mundo para velejar e temos que conhecê-lo!

O primeiro lugar escolhido foi St. Bartholomy, carinhosamente apelidado de St. Barths, conhecido como a “riviera francesa” do Caribe. St. Barths fica a 20 milhas de St. Maarten e, apesar do vento contra, fizemos uma gostosa velejada. Fomos para lá justamente na época da Bucket Regata, que reúne os maiores veleiros do mundo. Para correr essa regata, os veleiros devem ter mais de 30 metros (cerca de 100 pés!) de comprimento (apesar de dois veleiros “pequenos”, com 27 metros, terem sido convidados!!!). Chegamos exatamente no dia e hora da largada e pudemos ver os quarenta veleiros (isso mesmo, eles reúnem quarenta veleiros com mais de 100 pés de comprimento!!!) fazerem suas largadas. Foi um show ver o desfile desses barcos, de modernos a clássicos, todos belos e extremamente bem cuidados por tripulações profissionais. Tudo brilhando e tinindo! O Jonas quase “pirou” e reconhecia cada um deles por matérias que viu em revistas! Foram três dias de regatas e vimos todas elas.

É claro que não ficamos só nas regatas. St. Barths tem mais coisas para oferecer, entre elas lindíssimas praias e água transparente, que proporcionaram mergulhos inesquecíveis. Também passeamos muito por Gustávia, sua capital e centro de compras (apesar do caixa de bordo não permitir extravagâncias) e apreciamos muito a vista da cidade do alto dos morros que a cercam. Seus telhados vermelhos e os maxi-iates dentro da pequena enseada são de admirar. Desses mesmos morros vemos toda a baia abrigada, suas ilhas principais e até St. Maarten. Toda essa paisagem, com mais de 300 barcos ancorados sob seus olhos, é uma visão deslumbrante. Quando voltávamos ao barco à noite, era impressionante o mar de luzes de fundeio, que refletiam na água e dobravam em quantidade. Um mar de luzes!

Também tivemos vida social intensa em St. Barths. Os veleiros de vários amigos estavam no local e ainda reencontramos o Flyer, também de Ilhabela, que não víamos desde o final do ano. Todos os dias descíamos com os amigos e sempre havia algo novo para fazer, não esquecendo o sempre animado “happy hour” e as festas da regata, abertas ao público.

Após alguns dias deliciosos em St. Barths, onde conhecemos Colombier, uma das praias mais bonitas do Caribe, voltamos para St. Maarten, para reabastecermos. Aproveitando a parada, instalei mais um “tripulante” importantíssimo, que nos acompanhará em nossa viagem: o “Cigano”, nosso segundo piloto automático. O “Lázaro” (lembram dele, quando quebrou em Niterói e eu o consertei?), que nos trouxe até aqui, continua na ativa e fará revezamento com o “Cigano”. Seu nome foi escolhido por unanimidade pela tripulação e veio do livro “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, que todos lemos antes de comprá-lo. O personagem Cigano era o motorista de táxi, muito amigo do Vadinho, e que levava Vadinho e Dona Flor para seus momentos de felicidade. Sugestivo, não?! Comprei o “Cigano” de “segunda-mão”, mas muito bem recomendado pelo Gui, brasileiro que trabalha na Raymarine daqui. E “Cigano” já se mostrou muito competente, levando-nos em noventa milhas de navegação em popa em sua viagem de teste, de St. Maarten até as BVI’s, onde estamos agora.

Bem, as BVI’s, estas Ilhas Virgens Britânicas, são um capítulo a parte e sonho para todo velejador. Pense numa baia abrigada como a de Ilha Grande, cheia de lugares bonitos para ancorar, uma água transparente como a de Abrolhos, um lugar charmoso como Ilhabela e, para finalizar, um vento constante como o do nosso querido Nordeste. Se conseguiu juntar tudo isso, você conseguiu ter uma ideia aproximada do que são as BVI’s! O turismo mais forte aqui é o náutico e centenas de veleiros são alugados diariamente. Em toda enseada há vários barcos das várias companhias de charter, todos novos e bem equipados, misturados aos muitos barcos de cruzeiristas (inclusive nós!), que juntos estão usufruindo de suas belezas. Todas as ilhas estão estruturadas para receber esses navegantes e, mesmo com o turismo num nível elevado, eles conseguem manter a natureza do local muito preservada, com seus jardins de corais e fauna variada. Não pretendíamos, inicialmente, conhecer as BVI’s, mas ficamos felizes de ter aceito os conselhos dos amigos e dar um pulo até aqui.

Imaginem, então, como estamos curtindo nossa “bonança”: muitos mergulhos em águas com mais de vinte metros de visibilidade, velejadas perfeitas em todos os ângulos de ventos, entre as diversas ilhas, que pretendemos conhecer em sua maioria e muitos momentos de paz em nossa pequena casa flutuante.

Não sei se merecemos estar aqui, mas trabalhamos muito para que acontecesse. Passamos por nossas tempestades, todas elas, mesmo aquelas em nossa vida em terra que nos fizeram cambalear e achar que o futuro seria negro. Confiando numa simples frase da sabedoria náutica e popular, que diz que após grandes problemas podemos aguardar melhorias, pois a vida é uma constante maré, tivemos força para confiar num futuro que projetamos, pudemos construir e estamos saboreando nesta bonança.

Nossa próxima travessia, que se iniciará em algum dia da primeira quinzena de maio e que será a maior perna de nossa viagem e maior travessia que já fizemos até hoje, vocês poderão acompanhar clicando no mapa-mundi que aparece na coluna esquerda em nosso blog http://www.tresnomundo.blogspot.com/.

Torcemos que não venham tempestades e estaremos acompanhando a meteorologia para fugir delas, mas se nos pegarem, temos sempre a confiança que acabam!

Abraços para todos e espero poder contar na próxima edição muitas coisas boas de um lugar fenomenal e muito importante na história das grandes navegações, mas que poucos conhecem: os Açores!