Planejar e replanejar: esta é a vida do ser humano!
Quem está acompanhando as nossas aventuras viu, no último número, que estávamos encerrando a preparação para seguir viagem. No dia que estava previsto seguirmos para Ilha Grande e Rio de Janeiro, eu estava, na verdade, indo para São Paulo realizar uma cirurgia: hérnia inguinal. Ela apareceu um pouquinho antes da saída e a decisão teria que ser rápida: operar ou parar a viagem, pois não poderia fazer esforços. Decisão tomada, segui para São Paulo e para o aconchego da família para fazer a cirurgia. Ela foi um sucesso, só que a recuperação é demorada e dolorosa. Até dar risadas (e no meio da família e amigos é impossível não dá-las) era um suplício no começo. Passamos um mês em São Paulo e mais duas semanas em Parati sem sair com o barco, no meio da epidemia de dengue, até eu poder começar a fazer os esforços necessários em um veleiro. Eu temia pelo fim da viagem, mas o Dr. César, ótimo médico que me operou, garantia que em um mês e meio eu poderia retornar à vida normal.
As primeiras saídas em Parati após a cirurgia foram com muito cuidado, levantando a âncora com a catraca da genoa e com as crianças, meus maravilhosos e bem treinados marinheiros, me ajudando em tudo que podiam. Com o tempo fui ganhando confiança e fui tentando fazer as coisas que necessitava sem me esforçar demais. Comecei a levantar a âncora sem usar a catraca e após o tempo que o Dr. César previu, decidimos retomar a viagem.
Saímos de Parati e nos despedimos dos amigos que fizemos ali. Soltaram nossas amarras e novamente senti aquele nó na garganta da partida, dando adeus, aliás, até breve. Seguimos para Ilha Grande, com o roteiro todo replanejado com o atraso sofrido de 45 dias. Na ida para lá, pegamos uma frente fria entrando, favorecendo nosso ida e fizemos uma velejada histórica para nós, com o Fandango chegando a mais de dez nós de velocidade levado pelo Jonas.
Passamos ótimos dias lá. Levei as crianças para conhecer a Vila Abraão, o Saco do Céu, as Ilhas Botinas e a cidade de Angra dos Reis. A Carol fez amizade com os “gansos loucos” de Sítio Forte e estes vinham comer ao lado do barco quase todos os dias.
Após uma semana lá, era hora de seguir para o Rio de Janeiro, que seria um marco: seria o primeiro lugar desconhecido para o qual iríamos e a primeira navegação noturna que faríamos. No dia marcado para sairmos perdemos um tripulante: Jarbas, nosso piloto automático, caiu doente e não quis funcionar de jeito nenhum. Paciência. Saímos num final de tarde e, após chuva e um pouco de vento contra na saída, passamos uma noite muito agradável vendo o maravilhoso rendilhado de luzes do litoral carioca. Perto da chegada no Rio, muitos barcos de pesca estavam em atividade e redobramos os cuidados com a vigília. As crianças se revezavam comigo nos turnos, ficando sempre dois no cockpit e todos sempre com o cinto de segurança colocado e preso quando fora da cabine.
A chegada no Rio foi emocionante: a cidade amanhecendo (a navegação foi feita para chegarmos lá ao amanhecer mesmo e, se tivéssemos algum problema, teríamos ainda o dia todo para chegar), o Pão-de-Açúcar e o Cristo Redentor à nossa esquerda e o belíssimo forte Santa Cruz da Barra à nossa direita, após termos passado por Ipanema, Leblon e Copacabana. Podem falar o que quiserem, mas o Rio de Janeiro é um dos lugares mais bonitos do mundo! A decepção ficou por conta da água da baia da Guanabara. Não merecia estar tão suja.
Após os passeios tradicionais no Rio e, para minha surpresa, andar tranqüilo e despreocupado, mudando meu conceito do Rio como cidade muito insegura, visitamos também o Rio Boat Show, onde encontramos alguns amigos e muitos conhecidos, vários de Ilhabela e compramos o “Alfredo”, nosso novo piloto automático.
Outras visitas especiais foram aos navios de superfície da Marinha do Brasil e à Escola Naval. Ficamos impressionados com a Escola e com a organização e tamanho do Porta-Aviões São Paulo e Fragata União. Uma feliz coincidência: foi a Fragata União e seu comandante Pixinine que socorreram o nosso amigo Clauberto quando, voltando do Rio com o Blue Label, teve problemas com o mastro. O comandante, quase chegando ao Rio, com trezentos homens a bordo e após um treinamento exaustivo, voltou atrás quando recebeu o chamado de socorro e acompanhou o lento veleiro até deixá-lo em segurança em Angra: gentileza de verdadeiros homens do mar.
Seguimos para o fundo da baia da Guanabara e realizamos um sonho meu: visitar a linda Ilha de Paquetá. Novamente o ponto negativo foi a água suja, mas o local é lindo demais para deixar de visitá-lo. No dia do aniversário da Carol, saímos de Paquetá e fomos para Niterói. Outro lugar muito bonito, mas ficamos apenas três dias.
Era hora de seguir mais longe e, após duas semanas de bons tratos no Iate Clube do Rio de Janeiro, Paquetá Iate Clube e Clube Naval Charitas, todos muito acolhedores, nos preparamos para mais uma travessia longa: Rio – Arraial do Cabo.
Saímos com uma previsão de ventos de 12 nós de nordeste e pegamos ventos de 25 a 30 nós de leste, ou seja, bem na nossa cara. Saímos no final da tarde e levamos 20 horas para cumprir o percurso, velejando sempre sob condições muito ruins, com as ondas lavando o convés o tempo todo, mas que mostraram que o Fandango e minha pequena tripulação são excelentes. Foi minha pior travessia até hoje!
Chegamos em Arraial do Cabo, lugar paradisíaco, com muitos peixes e água maravilhosa. Foi uma surpresa para nós e é um dos lugares que mais gostamos até agora. Lá encontramos dois veleiros de Ubatuba que, tendo chegado um dia antes que nós e em condições semelhantes, um teve problema de perda de mastro e o outro um encalhe com ferimento do velejador. Novamente a Marinha do Brasil, através do belíssimo projeto Salvamar e usando recursos da região, socorreu o navegador sem mastro e deixou-o no porto em segurança, onde ele está atualmente fazendo os reparos. Os dois estão bem e animados em prosseguir viagem mas, como eu, devem seguir viagem apenas em condições muito favoráveis para isso e sem confiar tanto na previsão de tempo.
Hoje estamos em Cabo Frio, na linda sub-sede do ICRJ, onde se pode mergulhar no atracadouro de águas limpas e transparentes e ansiosos para conhecer a cidade. Neste momento parece que faz anos que aconteceu a minha cirurgia. A recuperação tão longa parece ter sido muito rápida. As coisas que estamos vivendo tem uma intensidade tão grande que mudam nossa noção de tempo.
Esperar foi preciso, replanejar necessário e, não se deixar abater e ter esperanças sempre, é fundamental para poder viver seus sonhos.