Gostei muito dessa frase desde a primeira vez que a ouvi, mas não me recordo quem a falou. Posso dizer que ela é típica de um velejador: direta e objetiva, mas ao mesmo tempo conservando um romantismo implícito, que o mundo em geral está perdendo. Esse romantismo ainda persiste em algumas imagens do mundo moderno e, talvez, a mais forte seja a de um pequeno veleiro singrando os mares rumo aos sonhos de sua tripulação. Essa imagem é sempre relaxante e remete nossos pensamentos aos nossos desejos mais secretos, mesmo que não sejam velejar. “Um barquinho vai e a tardinha cai”, já diziam os músicos da bossa nova. Mas antes desse romantismo acontecer, muita preparação há de ser feita, direta e objetivamente. E apesar de trabalhosa, essa preparação se compensa enormemente pelos resultados.
Vejam nosso exemplo pelos últimos acontecimentos. Tivemos excelentes dias em Natal, com a amizade e atenção dos muitos amigos que fizemos no Iate Clube do Natal. Pudemos conhecer melhor essa maravilhosa cidade e suas pessoas, pois ficamos mais de um mês e meio lá. Conhecemos Pipa, ao sul de Natal, e sua lindíssima praia de Madeiros, onde golfinhos, banhistas e surfistas dividem as ondas do mar igualitariamente, numa paisagem de beleza impar. Nela, o Jonas e a Carol alugaram uma prancha de surf e pegaram suas primeiras ondas de verdade. Não dava vontade de sair de lá! Também não deixamos de rever os lugares que já havíamos conhecido em 2006 para matar saudades e comer as coisas gostosas da cozinha local. Que saudades estávamos do Mangai e de sua comida excelente, principalmente da carne de sol com nata! Deu tempo de fazer tudo nesse mês e meio. Além dos passeios, comidas e atenção da unida comunidade da vela local, ainda havia as obrigações: Jonas e Carol teriam que acabar as coisas do colégio no Brasil, para não levar pendências para o Caribe.
Incentivados pelas imagens que tinham do pequeno pedaço do Caribe que conheceram em 2006, quando chegamos lá de carona no veleiro Cavalo Marinho, rapidamente liquidaram seus deveres e os enviaram para o colégio. Obrigações feitas, a época propícia para a travessia chegou e mudamos um pouco nossos planos. Pretendíamos ir diretamente de Natal para o Caribe, mas resolvemos fazer uma parada estratégica em Fortaleza, pois vários barcos brasileiros estão fazendo o mesmo percurso que nós. São eles o Guga Buy, o Luthier, o Temujin e outro barco de Ilhabela, o Flyer, dos amigos Fábio, Miriam, Caio e Rafinha.
No trecho Natal-Fortaleza, convidamos os amigos de Natal, Antonio e Rô, para fazê-lo conosco. Esse casal super-simpático e de fácil convivência já havia sido marcante em nossa primeira viagem, pelo carinho e atenção que nos receberam em 2006, quando nos levaram para passear por Natal. Como tripulantes, em 2010, nesse trecho de viagem, se mostraram com todos os requisitos que bons tripulantes devem ter, principalmente bom humor. E ainda por cima “pés-quentes”, pois essa travessia foi a melhor que fizemos até o momento, com mar calmo, ventos constantes e tempo lindo a travessia toda, emoldurada ainda por uma lua muito cheia que nos acompanhou nas duas noites de navegação. “Tudo perfeito!!! Se melhorar, estraga!”. Melhorou, mas não estragou: ainda apareceram golfinhos que nos acompanharam por muito tempo, permitindo que os filmássemos e fotografássemos de todos os jeitos!
Chegando em Fortaleza lancei a semente: se quisessem poderiam nos acompanhar até o Caribe! Mas eles não podiam. Tinham compromissos em Natal e algumas pendências que não permitiram que fossem. Que pena! Demos “até breve” (lembram que não gosto de “adeus”?!), torcendo para que pudessem fazer alguma outra perna de travessia conosco, antes de voltarmos a Natal. São sempre doloridas essas despedidas.
Em Fortaleza, no conforto do Hotel cinco estrelas Marina Park e com a simpatia e ajuda do gerente da marina, Armando, começamos a fazer as arrumações para a travessia para o Caribe, que deveria levar de 10 a 11 dias, diretamente e sem paradas. Os outros barcos já estavam por lá e pudemos conversar muito com os amigos navegantes. Conhecemos várias pessoas de Fortaleza que nos acompanham pelo blog e que vieram oferecer ajuda, se precisássemos de algo. Um deles, o Sérgio Luz, mal chegou para nos conhecer e já teve que me levar para comprar uma braçadeira de aço inox que eu precisava. Outro, o Artur, que trabalha no maravilhoso estaleiro INACE, nos convidou para uma visita ao estaleiro. Não preciso dizer que o nosso futuro engenheiro naval Jonas “babou” na visita, principalmente no setor de projetos. Além do estaleiro, ainda tivemos a chance de visitar o navio patrulha da Marinha do Brasil Macau, que eles haviam acabado de construir e tinham colocado na água no dia anterior.
Finda a visita ao navio e quase indo embora, a “surpresa”: precisavam de uma “madrinha” para o teste do dispositivo que criaram para o batismo do navio. Esse dispositivo, uma vez cortado um pequeno cabo com uma machadinha, acionaria uma alavanca que quebraria uma garrafa de champanhe no costado e giraria uma placa desejando bons ventos ao navio da Marinha. Bem, nenhum dos cerca de 30 a 40 homens que estavam trabalhando no local queriam passar por “madrinha” do navio, mesmo para um teste. Por esse motivo, o Macau, navio da nossa gloriosa Marinha do Brasil, que em breve estará patrulhando e ajudando navegantes na nossa costa, teve como sua primeira madrinha, mesmo de teste, uma menina corajosa que navega desde pequenininha chamada Carol que, tenho certeza, trará muita sorte ao seu “afilhado” de teste. E duplamente madrinha, pois o teste foi feito duas vezes!!! Viram como muitas surpresas sempre nos esperam por onde passamos?
E, falando em surpresas, alguns dias depois de chegarmos em Fortaleza, recebemos um telefonema do Antonio e da Rô: seus compromissos mudaram inesperadamente e algumas coisas boas aconteceram, permitindo que aceitassem nosso convite para irem conosco para o Caribe! A história se repete: em 2006 o mesmo aconteceu conosco, quando então pudemos aceitar o convite dos amigos do Cavalo Marinho para fazer essa travessia. Ficamos muito contentes e começamos logo a abastecer o barco, pois eles não teriam muito tempo de folga. Quando chegaram, no dia 28 de novembro de manhã, já estávamos com tudo arrumado para a viagem. Zarpamos à uma da tarde, deixando o Brasil pela primeira vez com um barco nosso. O tempo estava lindo e o vento e correnteza favoráveis. Tudo a favor para vivermos nosso sonho!
Os primeiros três dias de travessia foram perfeitos! Andávamos muito rápido, quebrando todos os recordes do Travessura, e o mar e o tempo ajudavam. Passamos a linha do Equador e foi feita uma festa e um batismo do Antonio e da Rô, pois era a primeira vez que a cruzavam. Como presente de Netuno, avistamos duas baleias que pareciam ser cachalotes. Após o terceiro dia, as médias cairam um pouco, mas o tempo continuava bom. No terceiro dia, comemorei meu aniversário pela segunda vez a caminho do Caribe. Lá pelo quinto dia, começaram a entrar os pirajás, ventos gerados por nuvens baixas, que algumas vezes traziam chuva pesada. Logo nos acostumamos com eles.
Nossa rotina à bordo era ótima, os turnos eram divididos entre todos e ninguém ficou sobrecarregado. Dessa forma, comemos muito bem a travessia toda, pois todos os dias pudemos cozinhar, e dormimos melhor ainda. Alguns dias o balanço e o calor atrapalhavam um pouco o sono, mas nada que pudesse fazer alguém querer desistir da travessia e das coisas que víamos todos os dias. Foram muitos cardumes de peixes voadores levantando vôo pela proa, muitos pássaros que nos acompanharam e até um lindo dourado nós vimos dar saltos, perseguindo os incansáveis e espertos voadores, na tentativa de conseguir uma comida gostosa. Mas nada do que vimos se comparou ao último dia de viagem. A manhã começou normal, apenas os pirajás continuaram se repetindo. Um deles, à nossa frente, com o sol subindo por trás de nós, criou um lindo arco-íris na direção em que seguíamos, formando um portal para nos receber, pois chegávamos.
Resolvemos colocar uma isca na água, pois os perecíveis da viagem acabaram. Não havíamos pescado ainda desde que saímos de Ilhabela, em julho. Perdemos um pequeno peixe, mas logo depois pegamos um atum de um quilo. Recolocamos a isca na água e, pouco depois, a fricção cantava novamente. Ao começar a puxar, já percebi que era um bom peixe. Após um bom tempo de briga, com o Jonas controlando o barco na vela mestra, leme e motor, e o Antonio na plataforma de popa com o bicheiro na mão, apareceu na superfície um lindo e grande wahoo! Logo que ele boiou, o Antonio cravou o bicheiro e o puxou para bordo. Devia ter quase 10 quilos! Limpei os peixes e fizemos um sashimi na hora. Que delícia! O sabor de um peixe fresquíssimo é muito melhor! Mal acabamos de comer o sashimi, grandes golfinhos apareceram na frente do barco e começaram a dar seu show, saltando muito. Ficaram muito tempo nos acompanhando.
Já estávamos perto de Tobago e avistávamos bem toda a sua costa, mas “chegar” se perdia na beleza do caminho. Pouco tempo depois, vimos uma arraia jamanta na tona, com suas nadadeiras para fora da água. A água transparente permitia vê-la toda e muitos peixes pulavam em volta. Ancoramos no porto de Scarborough dia 8 de dezembro de 2010 às 16:00 hs, após uma travessia de 10 dias e três horas! Chegáramos!!! Corremos para dar entrada no país, passando pela imigração e alfândega. Tudo era diferente para nós: sons, lingua, cheiros e imagens! Após um rápido passeio pela cidade, voltamos ao barco. Abrimos uma garrafa de champanhe para comemorar nossa chegada e nossa realização. Lembrei do que escrevi para a revista Ilhabela na primeira edição de 2007:
“Logo, todos estavam a bordo do Cavalo Marinho, sentados na proa, falando de suas respectivas travessias, todos com sorrisos enormes no rosto. Tentei me lembrar, mas não me recordei da última vez que vi um grupo tão feliz e realizado. O objetivo de todos estava realizado ali: ter seus barcos, suas “casas”, ancorados numa pequena ilha paradisíaca do Caribe! O sonho de chegar estava realizado. Agora só resta aproveitar essa nova realidade, que mais parece um sonho. Quanto a nós, ter feito essa travessia com pessoas tão especiais foi um presente e tanto!”
Novamente estávamos em Tobago, novamente com pessoas especiais, mas desta vez é a nossa “casa” que está aqui. Dormimos uma noite tranquila, sonhando com o que ainda iríamos conhecer. No dia seguinte, mudamos para Milford Bay, o lugar onde chegamos em 2006, uma praia linda e de água quente e transparente. E agora estamos passeando por aqui e aproveitando de Tobago tudo que temos para aproveitar. As novidades são muitas, principalmente seu povo e os sabores de sua terra.
É, amigos, velejamos e unimos lugares que o mar separou. Preparamos direta e objetivamente nossa travessia e soubemos aproveitar cada dia maravilhoso que se apresentou ao longo dela. Andamos, agora, por aqui, espalhando o verde e amarelo pelas cores fortes da cidade. Vamos nos acostumando com a língua, o sotaque e o jeito tranquilo e “gingado” do andar de suas pessoas, como se estivessem sempre escutando um reggae. Vemos o belo preto e vermelho de Trinidad e Tobago em cada canto. Temos vontade de experimentar cada comida e bebida nova que vemos. Às vezes é bom, outras não (tomamos um refresco de anis e uma cerveja misturada com soda limonada que não repetiríamos mais!), mas temos que experimentar. Há muito para aproveitar e sinto como se nossa viagem estivesse começando agora, pois as novidades parecem ser infinitas.
Cada um dos milhares de detalhes da nossa viagem colocarei no nosso blog www.tresnomundo.blogspot.com. Que a internet seja um grande veleiro para unir vocês à realidade dos diversos lugares e culturas que estamos conhecendo. Abraços e até breve!!!