Com técnicas rudimentares centenárias, que se desenvolveram ao longo do tempo, passando de geração para geração, o artesanato caiçara surgiu para atender às necessidades cotidianas das comunidades. Utilizando as matérias primas naturais disponíveis no entorno de suas casas, homens e mulheres criavam peças para facilitar o trabalho e o dia-a-dia.

Ao longo do tempo, tais técnicas se aprimoraram e ganharam novas formas, acabamentos e finalidades, passaram a ser comercializadas em pequena escala e hoje representam um importante incremento à renda de muitas famílias.

São cestas e balaios, que podem ter fins utilitários ou decorativos, luminárias, bolsas e tapetes trançados artesanalmente com fibras naturais, cortinas de bambu e sementes, bonecas caiçaras de pano, gaiolas, miniaturas de canoas, chapéus de folha de bananeira, remos, porta copos, sousplats e outros itens, confeccionados nas comunidades e vendidos nas lojas de artesanato locais.

 

Comunidades tradicionais

Depois de ser colonizada pelos portugueses e ter parte de seu território destinado ao cultivo de café e cana-de-açucar, no início do século XX Ilhabela teve sua população drasticamente reduzida, graças ao declínio da atividade agrícola, e as grandes fazendas deram lugar a pequenos vilarejos de pescadores.

É desses grupos remanescentes, que por aqui fincaram suas raízes, que descendem os ilhéus que hoje chamamos de caiçaras. Enquanto parte desse povo seguiu os rumos da civilização moderna e se adaptou ao estilo de vida criado ao redor da orla marítima, outra parte resistiu a essas mudanças e permaneceu em suas áreas de origem onde, graças ao isolamento gerado pelos aspectos naturais e geográficos, conseguiram manter seu modo de vida e seus costumes, preservando a história e a cultura centenária de seus ancestrais.

Nas comunidades mais distantes, como as Ilhas de Búzios e da Vitória, praticamente não há atividade turística e o acesso restrito à cultura externa mantém mais forte e preservada a ligação do caiçara com suas origens. Nessas comunidades, as casas são muito simples, construídas artesanalmente com elementos da natureza, como barro e galhos de árvores. A maioria não tem banheiro, água encanada ou energia elétrica. A base da alimentação é a farinha de mandioca, o peixe e o feijão, e essa dependência exclusiva dos recursos naturais preserva nessas pessoas um respeito profundo pela natureza.

Sujeitos às condições climáticas, os moradores passam dias a fio sem deixar suas comunidades, já que o acesso feito apenas pelo mar, em canoas artesanais, fica absolutamente impedido sob tempo ruim. Nesses períodos, a salga do peixe e a armazenagem da farinha garantem a sobrevivência das famílias.

Auto-sustentadas, essas comunidades vivem basicamente da pesca artesanal e do plantio de pequenas roças de mandioca e feijão. A venda do pescado e do artesanato são a principal fonte de renda.

 

Ilha de Búzios

Dona Ditinha, caiçara da Ilha de Búzios, aprendeu a trançar fibras naturais com sua avó, que fazia cestos, balaios, esteiras e outros artigos de uso doméstico utilizando bambu. Junto às outras mulheres da comunidade, passou a criar novas peças e aprendeu também a trançar as fibras de bananeira e de taquaruçu, espécies abundantes na região.

Aos poucos, as peças passaram a ser comercializadas e hoje a venda do artesanato é responsável por cerca de 50% da renda da comunidade e envolve 50 pessoas na fabricação de tapetes, bolsas, chapéus, suplás, luminárias e porta-guardanapos de fibra de bananeira, além de cestas, fruteiras, luminárias e outra peças de taquaruçu.

A produção é vendida em lojas de Ilhabela e em locais como o Espaço do Artesão e a loja mantida pelo Fundo Social, ambos na Vila e as peças também podem ser feitas sob encomenda, inclusive em grande quantidade, para brindes ou decoração de festas e eventos. “Estamos fazendo duas mil cestas que serão distribuídas na Daslu, em São Paulo, durante a feira Casar deste ano”, conta dona Ditinha.

Além de trabalhar na produção e organização da venda, dona Ditinha também dá aulas de artesanato caiçara no Centro Cultural da Praia Grande. Uma vez por semana, ela deixa a ilha de Búzios e faz uma viagem de três horas, que inclui a travessia de barco até a Vila e o percurso até o sul da ilha, para ensinar sua técnica. “É uma forma de ensinar um ofício e de levar adiante os costumes caiçaras”, afirma.

 

Ilha da Vitória

Também isolada pela distância da ilha principal e por suas características naturais, a Ilha da Vitória é outra região produtora de artesanato caiçara e recentemente foi escolhida para a implantação do projeto Artesãos da Ilha, promovido pelo Espaço Cultural Pés no Chão e contemplado pelo Ministério da Cultura.

Focado na capacitação e geração de renda, o projeto prevê a implantação de um movimento organizado de produção na comunidade, ampliando e diversificando a linha de produtos, capacitando os artesãos para o desenvolvimento de padrões estéticos, acabamento e tratamento das peças e, por fim, inserindo estes produtos no mercado, promovendo sua distribuição, divulgação e venda.

 “A intenção do projeto é oferecer complemento à renda dessas comunidades, por isso, uma regra importante é que ele só contempla pessoas que não estão inseridas no contexto produtivo da pesca, ou seja ele atende os artesãos, homens e mulheres que não estão trabalhando em nenhum dos barcos pesqueiros da comunidade”, conta Emiliano Bernardo, do Pés no Chão.

Desde o final de janeiro, quando foi promovida no Espaço Cultural Pés no Chão a Exposição dos Trabalhos Artesanais dos Caiçaras da Ilha de Vitória, peças como cortinas de bambu e sementes, bonecas caiçaras de pano, gaiolas, miniaturas de canoas, chapéus de folha de bananeira, remos, e porta copos em patchwork, entre outros, estão disponíveis em espaços como o Mercado das Artes e no Restaurante Espaço Integral, ambos no Perequê.