O Dança e Movimento terminou este ano com a estreia do Circo dos Sonhos, feita pelo grupo Artes Cruzadas. Através da multilinguagem – dança, teatro, circo e projeção audiovisual – o espetáculo diz que o destino do ser humano é a busca incessante por romper limites, sejam eles físicos ou emocionais.

A partir desta visão, lançada nos momentos finais do evento, é possível compreender o sentido do Dança e Movimento, uma iniciativa que completa 19 anos de vida. A arte oferece esta possibilidade de ruptura com o convencional, abrindo caminhos inusitados que o público incorpora ao ser tocado pela obra que assiste.

No contexto específico da dança, talvez um dos maiores exemplos da diversidade artística tenha sido apresentado pela Companhia de Danças de Diadema. Por+vir dá a dimensão exata do que significa a variedade da linguagem da dança, trazendo um espetáculo composto por 9 coreógrafos. É possível detectar, com toda a clareza, como um corpo (ou vários corpos) podem falar línguas diferentes, expressando a singularidade de cada autor através de movimentos, sentimentos e mensagens.

Evidente que há certas linguagens já pré-adotadas por certos públicos, como é o caso do funk, que contempla uma geração. Danças Urbanas – Locking, com o Chemical Funk, assumiu a tarefa de ser um agente multiplicador das danças urbanas, trabalhando temas, linguagens e padrões estéticos atuais, que procuram estabelecer uma forte identificação e sinergia com seu público.

O espetáculo Céu de Espelhos, de Irupé Sarmiento e Samuel Kavalerski, mostrou a riqueza e as ilimitadas possibilidades das artes cênicas. Além de uma técnica apurada em dança e uma trilha sonora envolvente, a dupla inseriu sua obra num universo surrealista, desprovida de compromisso com a realidade concreta. Segundo Kavalerski, “sua expectativa é que a coreografia inspire as pessoas a partir de uma crença de que a arte possa ser uma possibilidade de transformação da realidade”.

A noite destinada às instituições colocou no palco centenas de crianças, jovens, adultos e idosos da comunidade, provocando emoção e euforia, tanto na plateia quanto nos protagonistas. A alegria foi tanta que rompeu as paredes do teatro e iluminou as ruas e ladeiras da Barra Velha.

A poesia se encontrou com a dança através da Cia. Druw, em Poetas da Cor. O espetáculo gerou um encantamento na plateia, graças aos efeitos de um vídeo cenário que amplifica e compõe a narrativa, trazendo imagens que dialogam e interagem com as cenas de forma lúdica e poética.

O Ballet de Londrina causou impacto. Decalque marcou pelo arrojo e criatividade de seu diretor, o genial Leonardo Ramos. A movimentação coreográfica dos bailarinos basicamente se deu no plano horizontal. Neste sentido, o diretor ressalta que o processo foi um desafio para o elenco que, tendo corpos solidamente formados na vertical, precisou construir novos apoios e eixos, fazendo de suas limitações uma fonte de descoberta para movimentos singulares e inéditos.

A dança indiana se fez presente através de Sonia Galvão e grupo com Mangalam. O espetáculo trouxe uma mistura de ritmos, cores e movimentos. A reação do público foi de encantamento. As pessoas ficaram magnetizadas pela linguagem coreográfica, sedutora e enigmática.

O Corpo de Baile de Caraguatatuba apresentou Colcha de Retalhos. A companhia tem tido uma função importante na formação de bailarinos em nossa região, e vários deles estão conquistando oportunidades dentro e fora do país graças à sua competência artística, alcançada através de muito trabalho e dedicação.

A programação do 19º Dança e Movimento também aconteceu fora do teatro do Pés no Chão. O Laboratório Corpo e Arte UNIFESP, realizou a intervenção Cupinzeiro na Vila e também na E.M. Paulo Renato. A intervenção copia a aglomeração desses insetos, só que ao invés de seres invertebrados procura agregar pessoas na rua. É claro que isso provoca um estranhamento dos transeuntes, mas é essa a proposta!

Pela primeira vez no evento, a palhaça Carmelaa apresentou seu espetáculo Magavilha nas comunidades tradicionais de Castelhanos e do Bonete. Em ambas, a plateia participou diretamente da construção do espetáculo, como protagonista de várias cenas divertidas. O público adorou a novidade, pediu mais, e disse que poder rir era algo muito importante em suas vidas.

Finalmente, no palco da Vila, foram realizadas duas apresentações excepcionais, que exigiam um espaço bem amplo para o público esperado. E ele veio! A Raça Cia. de Dança de São Paulo trouxe duas coreografias que agradaram em cheio a plateia: À Flor da Pele e Cartas Brasileiras. Foi a estreia desta companhia em Ilhabela, que tem mais de 30 anos de vida.

A outra apresentação na Vila foi da Cisne Negro Cia. de Dança. O grupo apresentou dois trabalhos bem diferentes entre si, ambos geniais: Abacadá, com música de André Mehmari, criada e executada por ele e pelo clarinetista Luca Raele, e Ziggy – Tributo a David Bowie. Mário Nascimento, coreógrafo de Ziggy, diz que essa obra reúne o espírito inquieto de Hulda Bittencourt, diretora da companhia, dele próprio e do homenageado, David Bowie, todos movidos pela ousadia, irreverência e pela necessidade de criar o não criado.

Ao fazer uma reflexão final sobre esta edição do evento, penso na necessidade do ser humano romper limites, na importância do riso para as comunidades tradicionais, e no espírito desbravador de todo artista.

Luciano Draetta, do Circo Navegador, comentou a importância da iniciativa em uma entrevista: “Acompanho há vários anos o Dança e Movimento, e estou sempre encantado com a qualidade dos espetáculos, com a possibilidade de ver novas estéticas, novas pesquisas. É o momento de comemorar a realização de mais um evento como esse, de comemorar um espetáculo lindo como esse que acabei de assistir, no qual a plateia estava vibrando e ovacionou os artistas. Comemorar uma qualidade artística tão maravilhosa, e a oportunidade de ter acesso a isso, porque aqui no Litoral Norte não se tem muito acesso, só em alguns oásis”.

O 19º Dança e Movimento é uma realização da Secretaria de Estado da Cultura – ProAC, da Prefeitura de Ilhabela, por meio da Secretaria de Cultura e Fundaci e do Espaço Cultural Pés no Chão.

Inês Bianchi – Equipe Pés no Chão