*Patrick Inácio Pina 

 

Quem vive ou visita a região costeira do Sudeste e Sul do Brasil costumava observar altas árvores com flores amarelas. Como enormes buquês, destacavam-se em contraste ao tapete verde e denso que recobre Serra do Mar e suas ilhas. Os guapuruvus, que floresciam nos finais de inverno, sempre foram muito apreciados pelos indígenas. Para os primeiros habitantes desta região o próprio significado da palavra em tupi-guarani era “canoa que brota da terra”.

 

A cultura caiçara incorporou a tradição de fazer canoas de guapuruvu às técnicas da pesca artesanal e à produção de peças com as “flechas” (talos das folhas) que caiam dessas árvores. Os antigos caiçaras chegaram a cultivar guapuruvus para seus usos tradicionais. Com o declínio do pescado e da prática da pesca artesanal na região, associada à criação de áreas protegidas, os guapuruvus aumentaram em número. Entretanto, em 2001, no litoral do Rio de Janeiro, uma mortalidade em massa afetou estas árvores. Por volta de 2012 e 2013 já eram vistos grandes troncos secos também no litoral de São Paulo e o mesmo ocorreu ao longo de toda sua distribuição ao Sul do país.

 

Alguns atingiam entre 20 e 30 metros de altura, com troncos de cerca de 1 metro de diâmetro à altura do peito. Olhando para cima, quem observava os galhos secos jamais poderia imaginar que eles eram tão grandes e pesados. Entretanto, nos anos de 2014 e 2015 estes galhos e troncos mortos começaram a descer. E surpreenderam! Prefeituras, Defesa Civil e Bombeiros nas cidades do Litoral Norte de São Paulo tiveram bastante trabalho com a poda e remoções para segurança não só de moradores, mas também de motoristas nas rodovias que serpenteiam a região. Mas afinal, o que causou a mortalidade em massa destas belas árvores?

 

Foi tudo isso parte de um ciclo, já que as árvores eram velhas? Alguma uma praga? Doença? Alguns anciões disseram já ter visto isso no passado. Os relatos variaram quanto ao período exato… 50, 70, 100 anos atrás (?).  Muito se especulou, alguns especialistas foram consultados, materiais foram coletados para estudo… mas, e daí?

 

Primeiramente, é importante celebrar que o que quer que tenha afetado as árvores-mães não matou as sementes dormentes no solo! E como é uma planta de rápido crescimento, alguns “guapuruvus adolescentes” já estão despontando por aí nos arredores de seus finados ancestrais.

 

Quando o primeiro episódio de mortalidade recente atingiu a Ilha Grande/RJ, em 2001, pesquisadores levantaram a hipótese de que uma baixa variedade genética, comum em ilhas, devido ao isolamento, poderia ter deixado toda uma população vulnerável a algum tipo de praga. Mas as amostras de DNA analisadas mostraram o contrário. Geneticamente havia grande variabilidade, o que deveria trazer alta resistência contra pragas. Logo em seguida a mesma mortalidade em massa foi registrada no continente, que possuía um código genético diferente da população em Ilha Grande. Descartou-se assim a hipótese de que uma possível “fraqueza” genética pudesse ter deixado os guapuruvus vulneráveis.

 

A avaliação dos primeiros guapuruvus mortos no Rio de Janeiro, também mostrou que tanto árvores jovens quanto adultas morreram da mesma forma, e ao mesmo tempo. Descartando-se também a possibilidade de ser um evento cíclico, natural, onde as árvores estariam morrendo de velhas e deixando descendentes.

 

Foi o estudo das linhas nos troncos dos guapuruvus mortos que começou a revelar este mistério! Em algumas árvores, quando cortadas à base do tronco, podem ser observadas linhas circulares, chamadas de anéis de crescimento. Estes anéis se formam com o crescimento em largura do tronco, deixando uma ou duas marcas por ano. Os guapuruvus estão entre as árvores que formam um anel por cada ano de vida, formado sempre ao final do verão.

 

Em todos os indivíduos que morreram na Ilha Grande/RJ foram encontrados anéis de crescimento muito estreitos, correspondentes aos anos de 1998-1999. Dois anos antes da constatação da morte de todos os guapuruvus desta ilha. Estes anéis formaram-se no período de influência do fenômeno El Niño dos anos de 1997-1998, considerado o mais intenso do século. Este também foi o de maior influência no Sudeste do Brasil, causando alterações do regime de chuvas, e neste caso, trazendo longa estiagem. Os anéis dos anos seguintes formaram-se durante o fenômeno La Niña,menos intenso, mas que prolongou o período chuvoso, aumentando a umidade.

 

Estas mudanças climáticas são conhecidas por afetar o funcionamento das plantas, que ora enfrentam a secura extrema do solo, mesmo em suas raízes mais profundas, e ora estão encharcadas. Mas a mortalidade dos guapuruvus foi atribuída à soma de múltiplos fatores, que não apenas as mudanças do clima. Amostras coletadas em Ilhabela e São Sebastião revelaram a presença de um besouro que escavava os troncos e lá deposita seus ovos. Este inseto, genericamente chamado de “broca”, é portador de um fungo que ao crescer, serve de alimento para suas larvas. Em alta concentração este fungo causa uma doença que pode levar à morte da árvore.

 

Nem o besouro Platypus ou o fungo Fusarium,encontrados nos guapuruvus mortos são espécies novas ou recém-chegadas. São espécies nativas da Mata Atlântica e bastante comuns. Mas o enfraquecimento dos guapuruvus após as mudanças climáticas pode ter causado um desequilíbrio nos sistemas de defesa, que os deixou mais vulneráveis aos ataques das brocas e proliferação dos fungos.

 

Indivíduos mais jovens e que não sofreram grandes mudanças no suprimento de água resistiram por mais tempo (como aqueles situados próximos à ponte da Avenida Princesa Isabel, sobre o Ribeirão da Água Branca, em Ilhabela) ou ainda permanecem vivos (como aquele situado na ponte sobre o Rio Maresias, na costa sul de São Sebastião).

 

A nova geração, que germinou após este evento de mortalidade, continua emergindo. E os “guapuruvus adolescentes” estão se desenvolvendo bem rápido. Afinal está é a arvore nativa de mais rápido crescimento das regiões Sul e Sudeste do Brasil. Se tudo correr bem, a floração e produção de sementes começará entre os 6 e 8 anos de idade, e a Serra do Mar e suas ilhas estarão novamente enfeitadas com os saudosos buquês amarelos. Com aproximadamente 50 anos atingirão seu porte adulto. “Mas será que os novos indivíduos que estão surgindo serão imunes ou também vão morrer?” – perguntam-se ambientalistas e pesquisadores. “Quem conhecerá a técnica de se fazer canoas daqui há 50 anos? ” – perguntam-se os poucos caiçaras que ainda mantém a tradição.

 

O tempo dirá!

 

O guapuruvu (Schyzolobium parahyba) não era considerado uma espécie ameaçada. Pelo contrário! Mas experimentou sua quase extinção num pequeno intervalo de tempo. Isso nos ensina que mesmo espécies muito comuns e abundantes podem rapidamente desaparecer, quando seu ambiente sofre modificações bruscas ou quando lhes faltam recursos essenciais (neste caso a falta de chuvas nos anos do fenômeno El Niño).

 

Nossas ações como espécie(Homo sapiens)têm contribuições para o aumento da velocidade das alterações climáticas. O tempo está mudando. Quem diria que isso poderia causar a extinção de árvores tão esplendorosas? O desaparecimento de espécies pode causar um impacto direto na população humana. Se esta mortalidade já ocorreu antes, quando os habitantes desta região eram apenas os indígenas, o principal meio de obtenção e transporte de alimentos (as canoas) foi seriamente prejudicado. Recentemente, uma greve de caminhoneiros também afetou a nossa principal forma de distribuição de recursos essenciais (combustível, gás de cozinha, alimentos) e de transporte.

 

O futuro dos guapuruvus, antes tão comuns, continua incerto. E o nosso? …

 

 

*Patrick Inácio Pina é Biólogo e Ornitólogo, Responsável Técnico da ASM Cambaquara.