[Pes-no-Chao]-Grupo-de-teatro-apresenta-a-Lenda-da-Escrava-Josefa

 

Entre 30 de maio e 5 de junho, a cultura negra foi homenageada no Espaço Cultural Pés no Chão através da “Jornada da Cultura Silenciada”. Ela integra o projeto Memórias Reveladas, realizado entre 2015 e 2017 pelo Pés no Chão com o patrocínio da Petrobras. Esta etapa da iniciativa promoveu um mergulho na memória da população afro-brasileira do Litoral Norte, com o intuito de conhecer sua contribuição para a cultura regional.

A equipe do projeto realizou pesquisas, entrevistas e registros audiovisuais, visitou Quilombos e convidou lideranças de comunidades afrodescendentes para participar do evento. Por outro lado, os alunos do projeto prepararam, nos últimos meses, apresentações artísticas de dança, teatro e capoeira, canto, e fizeram pinturas relacionadas ao imaginário da cultura negra. Esse movimento resultou num evento plural, voltado tanto para o público infantil quanto para o adulto, além de professores, estudiosos e interessados na cultura afrodescendente.

Em 4 de junho aconteceu uma Roda de Conversa, que foi conduzida pelo professor Beto, da AMAI. Ela foi aberta com uma apresentação artística dos alunos do Projeto Semear, dirigido pela Nega da Capoeira. Em seguida, a Dra. Cintia Bendazzoli, arqueóloga e historiadora, falou sobre a presença dos negros em Ilhabela, identificada através de objetos cerâmicos e vestígios encontrados em esconderijos naturais (tocas), onde eles se escondiam no período da escravidão. Também esteve presente na Roda, o sacerdote de candomblé Ataualpa de Figueiredo Neto (Tatá Cajalacy). Ele falou sobre seu trajeto até se reconhecer como negro, uma vez que possui pele branca e olhos azuis, e de adotar o candomblé como religião, originalmente era evangélico. Neto de negro por parte de pai, sua fala gerou discussões interessantes e acaloradas com o público. Tatá Cajalacy foi enfático ao cobrar uma postura íntegra e exigente dos negros frente à discriminação que ainda sofrem, e que, segundo ele, não foi abolida com o fim da escravatura, persistindo até hoje de forma explícita ou velada.

Ditinho, nosso atual Secretário de Cultura, também entrou na Roda. Contou sua história de amor com a música, especialmente o samba, que transmitiu aos filhos. Desde cedo descobriu uma facilidade para decorar letras de músicas e começou a participar de rodas de samba. Sempre que pode participa de apresentações musicais com seus filhos, dos quais se orgulha muito. Ditinho diz que teve uma vida dura, e que já trabalhou em quase tudo, aprendendo todos os ofícios na condição de ajudante.

Dona Natalina, representante do Quilombo da Fazenda Picinguaba, de Ubatuba, acompanhou o grupo de Jongo Ô de Casa para a Jornada. Em seu depoimento, falou sobre o resgate que foi feito do Jongo através de um Ponto de Cultura, que também promoveu melhorias no Quilombo. Ela também respondeu perguntas relacionadas a aspectos jurídicos que envolvem a oficialização do Quilombo da Fazenda, que assim como os demais Quilombos da região, lutam para ter seu direito à terra reconhecido oficialmente.

Representando a Capoeira, Juliana Barella falou sobre a importância da capoeira no Brasil, seu poder educativo, e mencionou certo preconceito que alguns pais têm em matricular seus filhos nesta atividade. Tiago, Vitor e Michele apresentaram um RAP que aborda a questão da discriminação de uma forma mais ampla, um trabalho artístico que o grupo criou dentro do Projeto Abrindo Caminhos.

No final da Roda de Conversa foi apresentado um vídeo sobre Dona Izanil, personagem ilustre da história da Congada de Ilhabela, especialmente da Ucharia de São Benedito. Em seguida, o grupo de jongo Ô de Casa fez o fechamento, tocando, dançando e chamando o público para a sua roda.

No dia 5 de junho, foram realizadas as apresentações artísticas dos alunos do projeto para uma plateia lotada. A abertura foi feita pela capoeira, seguida dos grupos de dança que apresentaram coreografias inspiradas no Jongo. Ao final, os alunos de teatro mostraram dois esquetes, um sobre a Congada de Ilhabela e outro sobre a Escrava Josefa, baseado numa lenda de Ubatuba.

As contribuições da cultura de origem africana para a construção da personalidade brasileira são inegáveis. Elas estão em toda parte. Na música, através do ritmo do samba e da Congada, numa infinidade de instrumentos musicais, entre eles o atabaque e a cuíca, e também na culinária, através de ingredientes como o leite de coco, feijão preto, amendoim e de uma infinidade de pratos conhecidos e apreciados como a feijoada, o quindim e o bolo de milho.

Uma visita à culinária africana não poderia ficar de fora do evento, por isso, após a Roda de Conversa, o público degustou alguns sabores desse universo, um deles pouco conhecido: a salada quilombola. A receita foi ensinada por Dona Natalina, do Quilombo da Fazenda. O prato tem como ingrediente principal o coração (umbigo) do cacho da banana, que é fatiado bem fino, como uma couve, fervido por quatro vezes para tirar todo o amargo, e, finalmente, temperado como uma salada. É uma delícia!

O Espaço Cultural Pés no Chão fica na Rua Macapá 72, na Barra Velha. Maiores informações pelo fone 12 3896 6727 ou no site www.pesnochao.org.br. Entrada Franca.