O ano de 2000 iniciou-se com grandes esperanças. Eu e minha esposa estávamos começando a preparar a viagem de barco que sonhávamos há tempos. Tínhamos dois filhos pequenos e a viagem era nossa grande aventura e nosso sonho de proporcionar algo a mais aos nossos filhos e a nós mesmos. Nessa época, morávamos já há um ano e meio em Ilhabela, para onde mudamos procurando uma melhor qualidade de vida para todos nós. Todo o resto de nossa família morava em São Paulo. Porém, logo no começo de 2000, todos os nossos sonhos se desvaneceram com o falecimento prematuro e inesperado de minha esposa, que tinha apenas 38 anos na época.

 

Quando me vi sozinho, com dois filhos para criar e sem a estrutura familiar perto para me auxiliar, pensei em fazer o mais cômodo na situação: comprar um apartamento no prédio dos pais da minha esposa (sempre muito presentes para nos auxiliar quando estávamos em São Paulo). Isso significaria retornar a todos os problemas da cidade grande e a ficar longe dos meus filhos muito tempo, tempo meu que eles precisavam muito. Relembrei então uma conversa que tive com minha esposa três dias antes dela falecer, quando analisamos como havia sido ótima a mudança para a Ilha para todos, principalmente para as crianças.

 

Resolvi então tentar o mais “difícil”: assumi sozinho e totalmente a educação e cuidados de meus filhos e continuei a morar em Ilhabela, longe da família. Hoje, depois de cinco anos, vejo que a minha opção se mostrou certíssima. Tenho filhos maravilhosos, muito próximos a mim, e cresci muito como pessoa fazendo as duas “funções” (pai e mãe).

 

Pouco depois do falecimento da Mônica vendemos o Trinta-Réis, veleiro que nós dois mandamos construir antes das crianças nascerem, para realizar nosso sonho de viver no mar. Dois motivos me levaram a vendê-lo: as despesas altas de um barco grande com apenas meu trabalho para manter e, principal, a impossibilidade de sair com ele por motivos emocionais. Hoje ele está com uma pessoa que acabou se tornando um grande amigo e com uma família maravilhosa que cuida muito bem dele.

 

A partir daí comecei a velejar num Fast 23 de um amigo, Ladislau, fanático por regatas. Iniciou-se o que posso chamar de “verdadeiro aprendizado”. Muitas regatas, com ventos fortes e fracos, aprendendo a técnica de bem velejar com um ótimo e paciente professor. Aliás, foram vários os professores, pois aprendemos com todos os tripulantes a bordo (às vezes, aprendemos o que não deve ser feito !!!). As crianças também velejavam conosco. Corriam regatas e ficaram fanáticas por troféus e medalhas. Um amigo de Ubatuba, extremamente competitivo em regatas, permitia que as crianças fossem junto em algumas competições, mesmo representando peso extra a bordo.

 

Então, após uns dois anos que velejei como convidado em barcos de amigos, Ladislau resolveu comprar um outro barco para levar para a represa. E eu tentei ajudar. Numa das “olhadas” nos barcos a disposição para vender, levei as crianças. Quem disse que eles queriam sair do barco? E já diziam que aquele barco era legal, que podíamos comprar com o Ladis e que podíamos viajar muito com ele. O único detalhe era que o veleiro era um veleiro típico de competição: sem nada dentro. Mas isso serviu para que eu percebesse que o caminho estava traçado e que meus filhos o estavam cobrando. Conversei com o Ladis, sugeri uma sociedade, procuramos um barco que atendesse o lado regateiro do Ladis e cruzeirista nosso e achamos o Fandango. Ótimo barco, muito bem construído, muito bem projetado, muito gostoso de velejar, muito bom de manobras e rápido na raia. Nestes três anos e meio que estamos com ele velejamos muito, regatas e cruzeiros, e sempre com prazer. O Fandango nunca nos deixou na mão e provou suas qualidades na mais diversas situações.

 

Em 2002 fui convidado por um amigo para correr a regata Recife-Fernando de Noronha, a popular Refeno. O barco ficava em Ubatuba e tínhamos que levá-lo até Recife, correr a regata e voltar. Uma aventura e tanto, na qual entrei de cabeça. Ajeitei calendários para não atrapalhar muito as crianças, arrumei gente de confiança para ficar com elas nos períodos da viagem, feita em etapas, e embarquei, mesmo com o coração apertado por deixá-los, para viver essa maravilha de viagem. Só não pude cumprir o percurso de volta Salvador-Ubatuba porque as crianças precisaram de mim na época. Na volta da viagem trouxe, além do conhecimento da costa e amizades estreitadas, um novo sonho e a segurança para cumpri-lo: percorrer a costa brasileira numa viagem de um ano e dois meses com meus filhos: Carol, de 10 anos e Jonas, de 11 anos.

 

Resolvemos nós três, então, que era hora de retomar o nosso projeto: realizarmos juntos a viagem de barco que era nosso sonho inicial (do qual eles já participavam intensamente, mesmo pequenos), obedecendo nossos limites.

 

O projeto visa conhecer o Brasil real, com sua gente, cultura, sotaques, realidades, paisagens, adultos e crianças. E ao mesmo tempo, podendo parecer paradoxal, usar as ferramentas da nossa era digital e globalizada para informar às pessoas nossas experiências e mostrar o privilégio que temos de deixar de lado a “virtualidade” das informações e relações modernas, para que elas possam refletir sobre o modo como vivem e como estão criando seus filhos. Acredito que a falta de humanidade que se avoluma no mundo de hoje vem, em grande parte, do distanciamento das pessoas do mundo real e da alienação causada pelos meios de comunicação (até as guerras, mortes, crimes e tragédias ficam engraçados, românticos ou aventurosos nos filmes de hoje). As pessoas se acostumam a esses eventos, deixam de achá-los aberrações (a não ser que em alguma circunstância os vivam), param de cobrar providências e fazer sua parte para que não aconteçam e, conseqüentemente, permitem o seu aumento indiscriminado gerando um grande círculo vicioso.

 

Hoje tomo a liberdade de fazer um convite: gostaríamos de tê-los como tripulantes virtuais na nossa viagem. E um desejo: que você, leitor, tome a rédea de sua vida e viva seus sonhos.

 

Nossa viagem poderá ser acompanhada em uma coluna publicada a cada edição na Revista Ilhabela, trazendo as principais notícias da nossa aventura, e também no site www.revistailhabela.com.br que será abastecido periodicamente com novidades. Além disso, nossos tripulantes podem navegar conosco através de nosso site: www.tresnomundo.com.br que terá nossos diários de bordo, fotos e a cobertura completa da nossa viagem.

 

Não vou colocar no site apenas as estórias e belezas da viagem, mas também todas as informações técnicas para quem quiser fazer algo semelhante. Desejo que o site se torne um grande guia para navegadores sonhadores e que o nosso exemplo sirva para que você corra sempre atrás da realização de seus sonhos.

 

E lembrem-se sempre que a vida cobra: deve ser vivida aqui e agora.