*Silvana Davino – ASM Cambaquara

Édson dos Santos Lima é baiano da cidade de Valente, conhecida como a cidade do sisal e de pedreira. Aqui em Ilhabela, a maioria dos cortadores de pedras vêm desta região, onde aprenderam o ofício. É uma região de muita pobreza, inserida no clima semiárido. O principal problema social e econômico é o desemprego, que obriga muitas pessoas a se dirigirem para as regiões sul e sudeste do Brasil.

Sua família vivia na roça, criava galinhas e cabras, plantava seu milho, mandioca e feijão. Mas devido à acidez do solo, o baixo índice pluviométrico (entre 300 e 550 mm) e ataque de animais selvagens às criações, nem sempre as coisas iam bem.

Édson conhecia cada pedacinho da sua região, e como todo menino, tinha o seu estilingue, badoque ou baleira (cada região traz um nome diferente). Além de gostar de jogar futebol com os amigos, saiam também para caçar passarinhos. Mas não era um ou dois, não. “A gente matava em torno de 30 passarinhos por dia! Até beija-flor a gente comia!”, conta ele, explicando que não era por fome, mas porque era costume do local. Conhecia inúmeras técnicas de captura de aves, desde cola de planta até molhá-los para que ficassem impossibilitados de voar. Ter uma espingarda em casa e sair para caçar, assim como pegar tatus e lagartos era muito comum, tanto para comer quanto para vender no mercado da cidade. “Passarinho em gaiola, tem praticamente em todas as casas, pelo menos umas quatro”, afirma ele com tristeza.

Assim, como o destino de muitos desta região, ele veio para Ilhabela em busca de uma vida melhor, como cortador de pedra. Depois de muitos anos “trabalhando na pedra” veio trabalhar no nosso sítio com carteira assinada como ajudante de serviços gerais; cuidava do jardim, da piscina, da mangueira da água que vem da cachoeira, enfim de tudo um pouco.

Um dia caiu um periquito-rico (Brotogeris tirica) com a asa quebrada na nossa propriedade. Eu não tinha a menor noção do que fazer. Édson me ensinou a cuidá-lo. O periquito, a Pepa, acabou vivendo em semiliberdade e formou par com outro periquito de vida livre. Hoje, vivem conosco há oito anos, se reproduzem e seus filhotes têm vida livre.

Em março de 2012, um papagaio-moleiro (Amazona farinosa), ficou três dias em cima de uma embaúba, fugido de algum cativeiro irregular. O Édson conseguiu capturá-lo e cuidamos dele. Era um filhotão, que além de faminto, desidratado, tinha o bico todo deformado e estava doente. Após dois meses, novamente caiu um papagaio muito debilitado no sítio e mais uma vez o Édson foi peça chave para a reabilitação dele.

O conhecimento do Édson sobre aves era grande, uma sabedoria aprendida na “escola da vida”. Seus ouvidos identificavam sons e seus olhos viam coisas que para uma leiga como eu, passavam totalmente despercebidos. Ensinou-me muitas coisas, foi meu primeiro mestre em ornitologia. “Você quer ver um ninho de beija-flor?” Dizia-me ele. “Claro!” respondia. Ele me levava a um local onde eu passava diariamente, a um metro e meio do chão e eu nunca tinha me dado conta.

Por outro lado, ensinei-lhe a importância de preservar as espécies, de cuidar do meio ambiente para manter nossa própria qualidade de vida. Deu certo, o vi várias vezes dizendo às pessoas para não caçar ou não manter animais em cativeiro que isso ia contra a natureza deles de serem livres. Virou nosso aliado na causa, que ainda estava longe de se tornar uma área de soltura de fauna silvestre.

Outro dia, encontrei no supermercado com outro cortador de pedra, conhecido nosso que sempre teve pássaros em gaiola aqui em Ilhabela e ele me fez um relato: “Silvana, depois que eu passei três dias preso por causa de pensão alimentar, eu percebi que a falta de liberdade é tão ruim que eu nunca mais quero ter passarinho preso!”

Às vezes, perdemos as esperanças, principalmente em mudanças de condutas dos adultos, mas quando ouvimos histórias como estas, voltamos a acreditar que a transformação é possível.

Édson formou família, casou-se com Vera, que já tinha uma filha, a Ágata, depois tiveram o Ábini, depois veio o Álison. Ele gostava das crianças e sempre brincava que teria uma quantidade de filhos para formar um time de futebol. Mas como todo migrante, tinha o sonho de retornar à Bahia, fazer sua casinha e voltar a ter a vida tranquila da sua infância. E assim fez, depois de sete anos conosco, em outubro de 2012 voltou com a família para lá. Realizou seu sonho, construiu “seu barraco”, como ele mesmo diz, cria suas galinhas e voltou a trabalhar com pedra. O timinho de futebol continua a crescer e assim veio mais um filho, o André.

Ele não chegou a ver oficializada a Área de Soltura Monitorada Cambaquara, nem quantas aves já reabilitamos e soltamos, pois isso se deu em 2014, mas nos falamos por telefone até hoje. Ele acompanha nosso trabalho de longe. Espero um dia ter um patrocínio para realizar educação ambiental aqui em Ilhabela. Com certeza irei buscá-lo para trabalhar conosco. Agradeço-lhe Édson, por tudo que eu aprendi com você!

 

*Silvana Davino é membro do GT Animais Silvestres de Ilhabela e é responsável pela Área de Soltura Monitorada de Cambaquara, local de recebimento, adaptação e soltura de quatro espécies nativas da Ilha (Papagaio-moleiro, Tiriba, Tucano-do-bico-verde e Periquito-rico) | silvana.m.davino@gmail.com